terça-feira, 30 de abril de 2013

De volta ao Brasil


Val escolhendo filmes pras 14 horas de vôo


O vôo chegou com meia hora de atraso. Comi uma dosa nesse meio tempo, saboreando cada pedacinho, pois sabia que vai demorar até que eu possa sentir tal crocância de novo. Entro no avião com o pé direito propositalmente. Adormeço. Em Dubai, Val escuta um casal falando Português na fila pro vôo para São Paulo. Nos emocionamos. A moça diante da gente ri. Ela era também Brasileira. De pouquinho, vamos identificando nacionalidades e percebemos que precisamos começar a regrar o que falamos em Português pois seremos compreendidos. No avião, enquanto todos dormem ou vêem filmes para tentar fazer com que as 14 horas de vôo passem mais rápido, identificamos um grupo no fundo do avião bebendo e conversando. Claro que eram Brasileiros. Claro que nos juntamos a eles. E pela primeira vez falamos a frase que tantas vezes imaginamos, só que agora no passado: "Moramos 1 ano e meio na Índia".

Chegamos em São Paulo e fomos recebidos com um cheiro maravilhoso de café. Era o Brasil nos dando boas vindas. Identificamos sotaques. Quase enlouquecemos com a demora das malas que nos colocou num vôo três horas mais tarde. Recebemos reais como troco da compra do cartão telefônico para ligar para os pais. Gastamos quase R$ 16,00 em dois cafés e dois pães de queijo minúsculos e sentimos que estávamos de volta à terra em que tudo é caro e não somos mais ricos. Buscamos palavras que teimavam em não vir na interação com as pessoas. Era estranho e fantástico voltar a falar Português. A atendente de vôo à caminho de Fortaleza pira na minha mehendi. Cansados, dormíamos e acordávamos e Fortaleza nunca chegava. No aeroporto, identifico cabelos cacheados como os meus; eram meus pais que, como imaginei tantas vezes, nos esperavam - nem eu nem minha mãe contemos o choro e, abraçadas, sentíamos o cheiro uma da outra depois de tanto tempo.
De vermelho, no canto esquerdo, minha mãe filmando minha volta e já chorando.


Nos dias que se passaram, fui sentindo novamente minha cidade. De volta a meu quarto, ao meus livros, às minhas roupas. Me sentir em casa...ou melhor, de volta em casa. Ver braços e pernas em mini-blusas e mini-shorts. Ouvir nossas expressões tão típicas. Não conseguir me concentrar em nada pois toda conversa me chamava a atenção por estar acostumada a não entender os idiomas a minha volta. Pedir para descer na próxima parada e lembrar que deve-se dizer "próxima desce!". Ir na padaria e achar pão, bolo, pamonha, canjica e queijo coalho (na Índia, padarias são lojas de doces). Ir à praia de biquini. Ficar com sono diante do barulho do mar. Rever amigos, relembrar abraços, descobrir lugares. Falar sobre a Índia e responder as mesmas perguntas um monte de vezes. Entender como a cidade está funcionando. Ao invés de retornar como a maioria retorna, reclamando de tudo, volto imensamente feliz com minha cidade. Sim, ela tem muito a melhorar, mas é meu porto seguro. Sairei mais vezes de seus braços quentes, mas sempre retornarei.

Primeira foto de volta em Fortaleza.

Foi um ano e meio de descobertas, surpresas e constante questionamento. Um ano e meio de cores, aromas e idiomas. Mudei. Mudamos! Me encontrei. Percebi coisas em mim as quais me eram desconhecidas. Revi preconceitos e conceitos. Vi meu país de outra forma exatamente por estar fora dele. Levo para o Brasil a influência que a Índia teve em mim. Entre Yoga, Ayurveda, óleos e temperos, acho minha própria essência a resignifico em solo Brasileiro. Um dia voltarei, mas não agora. Agora quero mais é curtir o meu lugar, minha cidade, meu país.
No dia seguinte à volta, o café não podia ser outro! Carioquinha com queijo coalho, tapioca e pamonha:)

Obrigada, Índia, obrigada por tudo. Até breve. Namaste!


quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

"Fair and lovely" - como a tonalidade da pele determina a vida social na Índia




Acredite, esse anúncio é real.

Assim como fazemos também em terras tupiniquins, na Índia se valoriza mais o que é estrangeiro. Até aí, nada de novo. Acho até que os Indianos conseguem  manter sua própria cultura bastante viva, bem mais do que fazemos no Brasil. E olha que a Independência deles é bem mais recente que a nossa. No entanto, um traço dessa super-valorização é bastante marcante: a cor da pele. O Brasil é um país de muitas cores. Ninguém é realmente branco ou realmente negro, somos uma mistura de muitos povos. Não podemos dizer o mesmo da Índia. Os Indianos possuem uma cor única que vai variando em tonalidades. O Indiano é cor de canela. E essa cor, somada aos olhos grandes e aredondados, sombrancelha grossa e cabelos negros fazem do Indiano reconhecível em qualquer lugar do mundo. Porém, mesmo sendo donos de uma beleza única, são inconformados com a cor que possuem. De pouquinho em pouquinho, fui entendendo como funciona a associação de poder e beleza à o quão alvo se é e a cada dia só ficava mais chocada. Narro algumas situações abaixo.

Situação 1: "Eu quero a sua pele!"

Apaixonei-me por mehendi desde que cheguei aqui. A tatuagem de henna com motivos árabes me dá a possibilidade de ter as mãos e os pés decorados com um novo design a cada quinze dias. Tentando aprender a aplicar mehendi e me usando de cobaia, as professoras da escola sempre esperam ver um desenho diferente em mim. Em uma segunda-feira, cheguei à escola toda empolgada com o novo modelo. Uma das professoras sentou ao meu lado para analisar o modelo.
Professora: Você está ficando cada dia melhor em mehendi.
Eu: Obrigada! Estou praticando bastante.
Professora: E fica linda na sua pele. Aliás, qualquer coisa fica bonita na sua pele, qualquer desenho, qualquer cor de roupa.
Eu: Não é verdade. Eu fico bem estranha de laranja.
Professora: Não, não fica. A pele branca fica bonita com qualquer coisa. Não é como a minha pele, escura.
Eu: A cor da sua pele é linda, do que você está falando?
Professora: Minha pele é feia. Sua pele é bonita. Eu queria ter a sua pele.
Senti minha pele sendo arrancada dos meus músculos.

Situação 2: O anúncio matrimonial

O casamento é uma fase obrigatória da vida na Índia. Homem ou mulher, todos se casam antes dos 30 anos, às vezes até bem antes. Casar não tem exatamente uma relação direta com amor, segundo eles, o amor vem depois. Os casais são unidos por condições financeiras das duas famílias, castas, análises astrológicas, religião e aprovação dos pais. Por isso, é muito comum que se procure um noivo ou noiva através de anúncios no jornal ou agências matrimoniais. Um dia, resolvi dar uma olhada no que se escreve nesses anúncios. Em todos os anúncios, as mulheres se descreviam como "fair" ou, de pele clara.


Situação 3: "O que aconteceu com seu rosto?"

Após um ano ir à praia, resolvemos ir à Goa, o único estado em que é possível ir à praia de biquini. Montamos a operação bronzeado e, em uma semana, parecia menos com um cadáver e mais como uma Brasileira saudável. Volto do feriado achando as reações na escola seriam as melhores. Assim que encontro com a primeira professora, ela olha assustada para mim e me pergunta o que havia acontecido com meu rosto. Eu respondo que havia me bronzeado ao sol. Ela, sem entender nada, me pergunta por quê eu havia feito uma coisa dessas com minha pele. Para parecer mais saudável, respondo. A professora fica boquiaberta. Eu deveria ter imaginado que um lugar no qual uma seção inteira do supermercado é dedicada a produtos para clarear a pele não acharia graça alguma nas minhas marquinhas de biquini.
É possível achar esse creme em praticamente qualquer lugar. Na vendinha de frutas em frente à minha casa não falta. 


Ter a pele escura é um grande problema. Para casar, para conseguir emprego, para ser aceito socialmente. Preconceito não é novidade, no Brasil amargamos um racismo terrível, mas, diferente de Brasil, no qual se associa a pele negra à pobreza e/ou a violência, aqui na Índia pouco importa se você é rico ou pobre, ter a pele escura é uma desgraça. Produtos para clarear a pele de homens e mulheres estão disponíveis até nas vendinhas mais informais e são amplamente usados. Não são protetores solares, me entendam, são clareadores que prometem (e cumprem) modificarem a tonalidade da pele mediante uso contínuo. Nas cidades grandes, as mulheres chegam ao ponto de amarrem um lenço ao rosto para não se queimarem ao sol (e também para se protegerem da poluição). A propaganda do supermercado o qual frequento mostra uma família branca, embora os únicos dois clientes brancos sejam eu e o Val.

Para homens ou mulheres, a exigência é a mesma.

Não poderia deixar de fora os recentes acontecimentos na escola em que trabalho. Além de fazermos nosso trabalho como professores, constantemente somos obrigados a participarmos de campanhas publicitárias. A última foi uma filmagem cinematográfica acompanhada de uma sessão de fotos. Até aí se entende, toda escola, infelizmente, é um comércio, mas o que me chocou foi que as crianças escolhidas para participarem de fotos individuais eram as mais claras da escola. E os professores, de um quadro de 17 professores, apenas eu, Val, Pamela, de Camarões e a secretária que, para quem não conhece e assiste o vídeo, acha que é uma das professoras da escola. No produto final, o foco é constante em mim e na secretária. O fato de que nenhum professor indiano foi escolhido para participar da filmagem (com exceção de uma professora do Jardim II, bastante alva, por sinal), enfureceu alguns professores, mas, mesmo mediante carta de repúdio, a administração da escola não voltou atrás - Disseram que estrangeiro vende e, pra piorar a situação, ele está certo.

Dos preconceitos que ví por aí, talvez esse daqui seja o mais bizarro. Ninguém é branco, mas todo mundo quer ser branco. É necessário se esforçar para mudar a tonalidade da pele para se conseguir "respeito" social. Antes que se diga que há de culpar os anos de exploração Inglesa, os livros clássicos do Hinduísmo fazem referências à beleza ou feiura com associação constante à tonalidade da pele. Infelizmente, o "ser branco é melhor" está mais e há mais tempo enraizado na cultura do que se imagina.

De moça escura infeliz para moça clara e bem sucedida.











quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Sobre como descobri a Yoga e a mim mesma



Há muito mistério em torno da Yoga. Talvez por sermos ocidentais, nos é difícil entender uma filosofia que veio de tão longe, literalmente do outro lado do mundo. Vemos praticantes de Yoga se desdobrando como origamis, associamos ao Hinduísmo ( ou à idéia abstrata que temos do mesmo), achamos caro, inacessível...achamos que não somos flexíveis o suficiente para nos arriscarmos em uma aula de Yoga. E assim, mistério por cima de mistério, mito após mito, a Yoga vai se tornando algo impossível. Não que não haja Yoga no Brasil. Mesmo em Fortaleza, não são poucas as escolas e associações de Yoga, mas as academias de musculação ainda são mais lotadas do que a mais badalada das escolas. A razão é simples: a academia dá resultados imediatos, músculos saltados em meses, enquanto a Yoga ensina a arte da paciência. E por mais que seja logo a paciência que mais precisemos nas nossas tão corridas vidas, parar para cultivá-la é um sacrifício o qual nem sempre estamos dispostos a abraçar. Além disso, acredito que a aura de mistério ao redor da teoria e da prática da Yoga é talvez o que atraia boa parte de seus novos praticantes. "Comecei a fazer Yoga" é uma frase que inicia conversas, dá ao falante um tom alternativo, espiritualizado, descolado.

Comecei a praticar Yoga alguns dias após chegar à India. Logo na primeira aula, toda a idéia de Yoga que eu tinha foi ao chão. Não era algo impossível, não quebrei nenhum osso, não precisei de roupas especiais. Apenas uma informação anterior fez todo sentido: senti-me tão relaxada, tão leve, tão em paz que só uma decisão parecia certa em minha mente - a Yoga nunca mais deveria sair da minha vida. Enfim havia achado uma forma de cuidar do meu corpo e da minha mente sem querer desistir nos primeiros dez minutos. Explico. Nunca fui uma pessoa fisicamente ativa, confesso. Não pratiquei esportes da escola (além de algumas mal-sucedidas partidas de vôlei), sempre me matriculava na musculação e acabava desistindo no segundo ou terceiro mês. Sempre tentei, mas me sentia patética andando sem sair do lugar em esteiras, em bicicletas estáticas, levantando pesos em sequências, sentindo dor, suando, torcendo para que as horas naquele lugar repleto de corpos de músculos saltados passassem rápido. Na academia, a chuveirada era sempre meu momento favorito. Mas logo na minha primeira aula de Yoga, percebi que, por mais que claramente estivesse trabalhando com meu corpo, havia algo mais, algo de atraente. Por mais que uma postura exigisse bastante dos meus músculos, era minha respiração e minha concentração que determinariam meu sucesso. Exercitar a respiração foi, também, algo novo para mim. Respirar é involuntário, mas na Yoga a respiração é uma atividade voluntária e controlada e que rege a aula inteira.  Impressionou-me deitar em savasana. Após muitas posturas e exercícios, a instrutora pediu que nos deitássemos e relaxassemos, diminuindo o ritmo da respiração, evitando pensamentos, relaxando músculos, órgãos e mente. Descansar em uma academia significa sentar-se ofegante em qualquer aparelho por no máximo cinco minutos e sob o olhar suspeito do instrutor. Na minha primeira aula de Yoga com minha adorada guru Aradhna, não olhei para ninguém, não percebi roupas, não me importei com marcas, não me preocupei se alguém olhava para minha bunda, todas as preocupações que povoavam minha mente em uma academia de musculação. 

Na aula de Yoga, cada um é um universo, cada um vai até onde consegue, cada um é um ser único e o instrutor observa cada praticante, observando evoluções, evitando lesões e orientando mais com o silêncio do que com palavras. E, ao mesmo tempo, o grupo é um só. Entoamos o OM juntos, no mesmo tom em uma respiração coletiva. Respeita-se o silêncio, cultua-se o olho fechado, a boca calada, a concentração. Com o passar dos dias, percebia que às vezes era apenas na aula de Yoga que eu me calava e estava comigo mesmo. 

Após 7 meses de prática, vendo nossa empolgação e dedicação, a instrutora nos sugeriu um curso de formação de professores na mesma escola em que ela havia se formado. Foram muitos fins de semana de acordar cedo, memorizar nomes em sânscrito, escavucar memórias de aulas de biologia as quais jamais achei que ainda existissem em mim. Aos poucos, fomos entendendo o porquê de cada postura, de cada exercício de respiração e, mais que isso, entendemos que posturas e exercícios são uma parte minúscula da Yoga, uma filosofia milenar, muito mais um estilo de vida do que uma prática física. Mudamos hábitos, cortamos vícios e vimos nossa rotina sendo modificada por ensinamentos milenares. Nos formamos professores de Yoga com uma certeza: mal havíamos começado a trilhar os caminhos da Yoga e muitos livros, práticas e reflexões ainda estavam por vir. O fato de haver mais a aprender do que a ensinar motiva mais do que desestimula.

A Yoga é uma prática individual, antes de tudo. Ensiná-la é compartilhar as próprias conclusões entendendo que se está diante de um outro indivíduo, com outras necessidades e desejos e que deve achar seu próprio caminho. É conhecer-se, entender-se como parte inevitável da natureza e não como controlador e dominador dela. Talvez seja esse o maior mistério da Yoga a ser desvendado:  mistério de si mesmo.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Mango Lazy Sound Machine (Arambol, Goa, Índia)


A voz rouca, segura, constante foi ouvida de longe. Ao me aproximar, fui percebendo o sax, os trompetes e os múltiplos recursos de percursão que enfeitavam o som como faz a pimenta aos pratos indianos - às vezes quase imperceptível, mas notoriamente essencial. Cantava-se em Espanhol, Inglês, Francês, cantava-se em línguas. A banda, formada de cabeludos barbudos sem camisa e nem muita carne atrelada aos ossos era comandada pela voz rouca de saia esvoaçante, cabelo bagunçado com eventuais dreadlocks, tererês e corpo bronzeado, corpo esse que era extensão de sua voz. Ela é bailarina da areia, músculos, panos e mãos comandados pelo som inquieto dos trompetes. E por falar em inquietos, inquietos eram os corpos, bocas e mentes que participavam da viciante harmonia. Quem estava sentado, se sacodia. Quem estava em pé, se entregava ao transe.

Um intervalo e a sensação de estar em outra década. E o som, que deveria recomeçar do palco, surge da beira do mar, agora com uma tuba, um acordeon e um percursionista cujo instrumento eram duas baquetas e uma perna plástica de um manequim. A banda que antes tocava agora se junta à banda que chegou, misturando instrumentos, ritmos, e, após um tempo em roda, passando pelos ouvintes dançantes, juntam-se todos no palco e uma nova festa começa. 

A cantora exibe-se com uma bola de contato e mais tarde com malabares. A banda lhe prepara o fundo musical perfeito. Finalizam instigando todos à dança e eu me entrego de braços e quadris, guiada pelo namorado numa salsa/lambada/forró, o suor escorrendo da testa ao pescoço. 

Passam o chapéu e, extasiados, pagamos com dinheiro a música que nos levou a anos que jamais vivemos.

domingo, 30 de dezembro de 2012

Foto-crônica: Drums (Arambol, Goa, India)


Batucadas em meio a um círculo.
Acroyoga ao pôr-do-sol.
Gente colorida.
Malabares de fogo, de tiras.
Prática com lanças.
Bolas de contato.
Músicos com enormes rastafaris tocando para o sol que vai embora lentamente.
Crianças.
Câmeras.
Bicicletas.
Bambolês.
Bolas.
Um casal de ropões pretos, cintos e botas.
Kite surfers rasgando o céu por um momento de velocidade.
Homens que se apoiam nas mãos.
Mulheres que dançam entre chamas.
Cachorros de rua brincando entre as pessoas que lhes dão carinhos e que lhes ignoram.
Cigarros. Maconha. Charutos.
Tatuagens.
Piercings.
Um casal de velhinhos realmente hippies.
Um casal de hippies chiques.
Pessoas que dançam. Tambores.
Góticos.
Pessoas brancas. Pessoas pretas. Pessoas coloridas.
Pais e filhos.
Pais sem os filhos.
Filhos sem os pais.


domingo, 23 de setembro de 2012

Sobre como perder minha câmera me fez ver a Índia com meus próprios olhos



Por um descuido, perdi minha câmera em um tuk tuk de Delhi. Perdi minha câmera com as fotos do India Gate cuja beleza ao pôr-do-sol ficou apenas em minha memória. Até adquirir uma câmera nova, terei que guardar na memória o colorido sujo daqui.

Perder uma câmera em um lugar como a Índia é quase um crime. A cada esquina há uma foto esperando para ser tirada. É um país fotogênico. Todo estrangeiro por aqui porta uma câmera na mão e perto dele, uma grupo de indianos tira foto do que pra eles é mágico: o homem ocidental. Estar em um lugar e não guardar dele uma sequer foto é como não ter estado. Quem vai ao Taj Mahal vai mais pelas fotos (de si, com o Taj ao fundo) do que pelo Taj em si. Não é por menos: nos dias em que vivemos, um evento sem foto não aconteceu. Em todo aniversário o pipocar de flashes dura mais que todos os abraços trocados. Celulares com câmera registram desde amantes fugindo da fúria de esposas traídas até a xícara de café que se toma à tarde, às 4 e meia, via instangram, 5 likes por isso.

Lembrei de quando estava em Hampi e a bateria da câmera descarregou logo no começo de dia reservado ao passeio pelos inúmeros e inenarráveis templos de lá. Pensei, por um breve segundo,  se ainda valeria à  pena continuar a percorrer aquela imensa quantidade de monumentos sem registrá-los, sem levar um pouco de sua beleza comigo. Quando me vi me perguntando se a ausência do registro de um lugar tão bonito me impediria por ele passear, me senti medíocre. Como poderia eu pensar em impedir  que tantas cores penetrassem minhas retinas, simplesmente por não poder dividir minha experiência com meus amigos no facebook? Em que momento da minha vida alguns likes se tornaram mais importantes do que realmente vivenciar o lugar em que estou? Como comparar a experiência de estar em um lugar que tanto vi por fotos com as fotos que dele tirarei?

 Sem câmera, comecei a ponderar sobre a importância de minha fotografia. O quão fiel seria o registro daquele local através de fotos? Como registrar o calor do sol do começo do verão bronzeando meu rosto? Como descrever estar na presença de macacos que vivem livres, entre templos e pedras? Quem era eu para pensar em não aproveitar o silêncio de templos construídos em uma época em que câmeras fotográficas nem sequer existiam?

Sem câmera, sem a necessidade de registrar, sem emoldurar as imagens que eu via, comecei a melhor aproveitá-las. Observei os corpos esculpidos em pedras que parecem dançar como se estivessem vivos diante de mim, como se eu quase pudesse ouvir sua música e também entrar na dança. Entendi melhor adornos que cobriam o chão, o teto e as paredes de um lugar produzido para adoração de deuses coloridos e brilhosos. Percebi o que o olhar dos indianos (que também ali estavam como turistas) via detalhes que meu olhar ocidental perdia.

Sim, perdi minha câmera e com ela o registro de um pôr-do-sol que não cansa de ficar mais bonito a cada nova cidade que conhecemos, mas as sensações que lá tive, o vento no rosto no tuk tuk de ida e no de volta, o beijo trocado ao nos sentarmos à grama e o imenso nome “India” se impondo diante de uma Delhi que anoitece são memórias que jamais deixarão meus sentidos e jamais serão esquecidas, nem por mim e nem em tuk tuk algum. 

domingo, 16 de setembro de 2012

Vamos para Goa!



E enfim, fomos para Goa...durante as monsões. Mas não pensem que foi fácil chegar lá.  Do nosso cantinho em Kerala, é bem difícil viajar.Por ser uma cidade pequena, os ônibus interestaduais só partem de Pallakad e Chochin, há duas horas de Perinthalmana. Além disso, para chegar à Goa de ônibus, é necessário ir para Magalore, em Karnakata e os ônibus que partem para Mangalore são de madrugada. Prometido para 1 da manhã, o ônibus chegou ás três e, exaustos, depois de um dia que incluiu festa de comemoração de Onam e a perda de um de nossos gatinhos, dormimos imediatamente e acordamos em Magalore.

Mangalore é uma cidade de médio porte no Estado de Karnataka, o mesmo estado de nossa adorada Hampi. Adoramos a cidade exatamente por ser mais urbana que Perinthalmana. É uma cidade predominantemente cristã, o que é fácil de perceber pela quantidade de igrejas e o número resumido de mulheres de burca na rua. A passagem para Panjim, Goa era para nove horas da noite então, resolvemos nos dar direito a uma cama e banho. Procurar uma pousada bem baratinha (já que só passaríamos alguma horas) foi uma aventura, mas achamos um local realmente barato...e terrível.  As paredes do banheiro eram pretas de sujeira, o quarto caía aos pedaços e, acreditem, é uma pensão e várias pessoas moram lá. Coisas com as quais você precisa se acostumar ao mochilar: nem toda pousada vai ser um sonho. Devidamente descansados, partimos para o tão sonhado sleeper bus para Goa.

Um ônibus leito, sleeper, na Índia, é algo muito interessante. As camas (literalmente camas) são organizadas na vertical, como beliches. Isso não quer dizer que a viagem vá ser exatamente confortável. Mesmo sendo um ônibus  com ar-condicionado, a estrada de Mangalore para Goa parecia um pesadelo de buracos. Não conseguimos dormir nada.  Quando enfim chegamos em Panjim, às 6 da manhã, uma tempestade nos deu boas-vindas nada agradáveis. Mal sabíamos que a chuva seria nossa companheira durante toda a viagem.

Panjim é uma cidade linda. Há um ditado que diz que “se fores a Goa, não precisas ver Lisboa”. Ainda não conheço Lisboa, mas Goa nos presenteou com certas coisas as quais sentíamos falta há muito tempo: calçadas (é quase impossível achar calçadas em algumas cidades da Índia e quando existem, são quebradas, tomadas de vendedores, mendigos ou restos fisiológicos, se é que você me entende), café com pão fresco (ainda não é um carioquinha, mas é bem melhor que pão de forma), uma arquitetura diferente e, talvez a melhor parte, quase ninguém nos olhando como se fôssemos seres de outro planeta, pois muitos turistas visitam Goa e Panjim é a cidade base para visitar todas as praias. Ficamos em uma pousada muito bonita e durante o processo de check-in descobrimos que o dono da Pousada, Seu João, fala Português fluentemente. Apenas há quarenta anos, Goa conseguiu a Independência de Portugal. Os mais velhos aprenderam Português na escola. As escolas não ensinam Português, mas é possível ver nas placas de lojas, nomes de ruas e nomes dos pratos típicos que os Portugueses deixaram sua marca definitiva por aqui.

No dia seguinte à chegada em Panjim, fomos às praias. Uma decepção. Talvez um pouco de saudosismo tempere esta frase mas, até agora, não existem praias mais bonitas que as praias do Ceará. Visitamos Anjuna e as pedras na praia, a maré alta, e chuva nos fizeram perceber que o sonho de dias de paz e yoga à beira do mar não seriam possíveis. Tentamos conhecer as demais praias mas a chuva não deixou e nos recolhemos à pousada, tristes e sem esperanças. Logo ao amanhecer, resolvemos que íamos tentar as praias do Sul de Goa, mais desertas e menos turísticas. Quase desistimos ao checarmos a metereologia e darmos de cara com uma promessa de chuva infinita. Pensamos em passar o resto dos dias em Hampi, vermos as tão sonhadas estátuas do Kama Sutra, pensamos em visitarmos as cidades sagradas do Norte e até pensamos seriamente em voltar para casa, mas fomos para o Sul e nenhuma decisão nessa viagem foi mais sábia. Antes de saírmos de Panjim, nos armamos de capas de chuva estilo Poncho. Agora podia chover canivetes, estaríamos pelo menos parcialmente secos.


Duas horas e meia de viagem um ônibus de linha interestadual (o que quer dizer nenhum estrangeiro, assento desconfortável, passagem bem barata e um motorista sem nenhm senso de leis de trânsito básicas tais como diminuir a velocidade antes de uma curva fechada e com a pista molhada), chegamos em Palolem e nenhuma palavra foi dita: era exatamente o que queríamos. Achamos uma pousada linda, super baratinha, com água quente e uma varandinha maravilhosa. A praia era exatamente o que esperávamos, com exceção da chuva e da água escura e perigosa do mar árabe.

 



Munidos de nossas capas de chuva (sem elas, esse feriado teria sido terrível), passamos dias de tranquilidade, sono calmo, comidas gostosas, reflexão sobre a vida e muita Yoga. Provamos o tão famoso  Veg Vindaloo (vinho e alho) e não gostamos pois é apimentado demais. Provamos o feni, a bebida local e também não achamos essas coisas todas. Ficamos pensando que quem disse no guia Lonely Planet que Feni é quase impossível de beber de tão forte provasse cachaça, ele não sobreviveria.Adoramos a comida de Goa. Foi a primeira vez em que vi todas as especiarias daqui bem utilizadas, sem que o chili determine o gosto da comida. O arroz com canela em pau vai virar lei lá em casa!


Mesmo na baixa estação, muitos estrangeiros estavam em Palolem. Até mais do que no tão badalado Norte. É sempre interessante observar viajantes. Quando pensamos pessoas viajando pela Índia, imaginamos um estereótipo “hippie de dreadlock” que está bem longe de ser maioria por aqui. Há muitas famílias, muitos casais, pessoas de todas as idades, nacionalidades e com objetivos de viagem bem distintos. Talvez na alta estação, o público mude já que a maioria dos estrangeiros quando estávamos por lá eram  Alemães e Austríacos, já que esse é o período de férias em seus países de origem.

Nos últimos dois dias em que estivemos lá, o sol resolveu aparecer em alguns momentos do dia e organizamos uma aula gratuita de Yoga na praia para quem quissesse participar.  Divulgamos nos restaurantes e pousadas e a notícia correu por si só. Fizemos uma hora de yoga com mais 10 pessoas. O feedback foi maravilhoso e todos estão adicionados à nossa página do Facebook, Jamie & Val Yoga Classes. Pretendemos repetir a experiência por aqui e levar a idéia ao Brasil, já que a Yoga é tão cheia de mitos e mistérios em terras tupiniquins. Recebemos até uma proposta de um resort para ministramos aulas por lá durante a alta estação, mas nosso compromisso a escola nos impede. Quem sabe para os próximos anos, não é?

Não vimos a Goa de raves e loucuras. Não usei meu biquini sequer uma vez. Conhecemos Goa financeiramente acessível, tranquila e de paz. E era exatamente o que procurávamos. Tá, faltou banho de mar e marquinha de biquini, mas a Índia é imprevisível. Quando voltarmos para o Ceará, tiraremos o atraso.

A viagem de volta foi um pesadelo diante da única opção de um ônibus leito sem ar-condicionado.  Apelidamos carinhosamente esse transporte de Non-AC Popcorn Sleeper bus, já que as crateras na estrada que foram desagradáveis na viagem de ida, foram insuportáveis na viagem de volta e a suspensão no ônibus praticamente não existia. Literalmente pipocávamos dentro da cabine em cada buraco. Recuperamos parte do sono em Magalore e a chegada em casa foi triste pois, com a ausência do Surya, o Namaskara fugiu.

 Agora somos apenas nós dois e um monte de sonhos pela frente.