segunda-feira, 7 de maio de 2012

Mais 11 meses de Índia e Kerala, God's own country


As famosas House Boats do Estado de Kerala



Era pra ser uma aventura de 7 meses. Enquanto escrevo esse post, já deveria estar de volta ao Brasil. Mas a vida deu um jeitinho de me deixar ficar mais um pouco, como se ouvisse da Índia dizendo: “Relaxa, toma um chai e aproveita que quero que você me conheça um pouquinho mais.” E eu não tive coragem de recusar um convite tão tentador.
Love overseas

Nem eu e nem o Val. Agora somos uma família. Temos um apartamento só nosso, decorado do nosso jeitinho, rodeado de coqueiros, seringueiras, bananeiras, jaqueiras, muito verde e pássaros, muitos pássaros. Temos filhos – Surya e Namaskara – um par de gatinhos que nos apareceu exatamente quando mais sentíamos falta da companhia e alegria felina. Deixamos Hyderabad, a agitação da High Tech city e voltamos para o colinho bom da natureza. E ela nos recebeu de braços abertos. Pela primeira vez, moraremos juntos, sem flatmates. Brincar de casinha está sendo ótimo.
Surya e Namaskara, num momento de paz


Não há fotos da viagem pois foi traumatizante demais viajar com dois filhotes de gatos em um ônibus interestadual. Até que enfim a burocracia Indiana nos favoreceu e conseguimos viajar com eles, mesmo não sendo nem de longe permitido. Pedimos extensão do visto para os 11 meses que a escola em que trabalhamos agora pediu, mas a imigração só nos deu dois. Resultado; daqui há dois meses, lá vamos nós para Delhi mais uma vez. Mas, não tem aperreio, não. Se há uma coisa que aprendi por aqui é que é preciso ter calma, ser tolerante e entender que, se fizermos tudo direitinho, mesmo com todos os contratempos, tudo acaba dando certo. É o “jeitinho Indiano”, uma versão mais desesperadora do “jeitinho Brasileiro”. E assim como no Brasil, ou você se acostuma ou seguirá com uma dor de cabeça eterna.

Ah, Kerala...Antes soubesse algo sobre suas belezas antes de botar meus pezinhos Brasileiros na Índia. Chamada de “God’s own country”, tenho até vontade de acreditar em Deus e imaginar seus passos por essas terras tão bonitas. Você sabe que chegou em Kerala quando começa a ver coqueiros e homens vestindo “lunguis”, além do fato de que provavelmente estará chovendo. De clima tropical, Kerala, no sul da Índia, foi o primeiro local a ser “descoberto” por Vasco da Gama em 1498. Os Ingleses, que de bom mesmo pra Índia só deixaram o Inglês, seguiram a linha ladrão que rouba de ladrão e tomaram tudo o que os Portugueses haviam dito que eram deles por volta de 1647 e é por isso que quando digo que somos do Brasil, existe certa sensação de que somos todos da mesma família. E por falar em Brasil, aqui por Kerala não é Críquete (o esporte favorito dos Indianos) que é paixão entre os meninos e sim o futebol. Disseram-me até que durante a Copa do mundo metade de Kerala torce pela Argentina e a outra metade pelo Brasil e não é raro ver a camisa canarinho (em geral com o nome do Ronaldinho) pelas ruas.
O famoso Chutney de côco

Um parágrafo para a culinária não pode faltar. Enfim saímos da Capital Mundial da Pimenta e viemos para a terra do óleo de côco. Praticamente todas as comidas daqui são preparadas com esse saboroso e aromático óleo, que serve para a cozinha e também para a hidratação do corpo e do cabelo imenso das Indianas. A banana chips frita no óleo de côco é um lanche irresistível. O chutney de côco servido junto à Masala Dosa ou à refeição servida na folha de bananeira é um tapa na cara da nossa culinária que só usa côco para doce. E embora o côco seja utilizado largamente, raramente é possível achá-lo nas vendinhas e supermercados. É que cada família possui seus próprios coqueiros no quintal de casa. O arroz, item básico da culinária indiana (que é também um dos principais ingredientes da Masala Dosa) é diferente do consumido no resto da Índia. É um arroz integral, avermelhado, com gostinho de interior. Ah, já mencionei por aqui que o arroz daqui não leva tempero algum? Loucos por sabores fortes, o arroz dos Indianos é temperado com o Dal, molho saborossíssimo à base de lentinhas amarelas, temperado com uma cebolinha minúscula e com Green chilli. Enfim posso ir a qualquer restaurante e comer o que der na telha sem me preocupar se será apimentado demais pro meu paladar. A liberdade só não é maior pois Kerala cuja população é 90% onívora, por ser de maioria Muçulmana e Cristã. É a primeira vez que achamos carne de vaca oferecida em um cardápio, com exceção das cidades turísticas por onde passamos. Isso não quer dizer que a oferta vegetariana não exista. Em qualquer restaurante, as opções vegetarianas são lei. Ponto pra Índia mais uma vez.

Dizem por aqui que o Perinthalmanês passa metade da vida levantando a Lungui e tranformando em uma espécie de mini-saia. A outra metade da vida é baixando em saia longa.

A cidade em que moramos é uma cidadezinha chamada Perinthalmana em que, procurando, se acha de tudo. Os homens andam na rua e trabalham de lungui e a quantidade de mulheres de burca por aqui é imensamente maior que em Hyderabad. Há mais lojas de jóias do que pescoços para pendurar tanto ouro e pedra preciosa e as lojas de produtos semi-novos oferecem itens como um Iphone 4 por 9000 rúpias (R$ 330 reais). É que o Perinthalmanês só quer saber de coisa nova. A população tem um poder aquisitivo bastante considerável, uma vez que essa cidade é conhecida como “A cidade dos Hospitais” e médico aqui ganha muito bem. A alopatia é vizinha da Ayurveda (medicina natural ancestral dos Vedas, povo que também desenvolveu a Yoga), e não é difícil ver uma farmácia logo ao lado de um centro de terapia ayurvédica. E como santo de casa não faz milagre, a alopatia é preferida pela maioria da população. Já mencionei o quão raro é um Indiano fazer Yoga?

Zen room

Falando em Yoga, enfim temos nosso cantinho de meditação e prática. Nosso apartamento tem dois quartos e foi unânime a decisão de transformá-lo no cantinho Zen que precisávamos para levar essa paixão/profissão adiante. Em Hyderabad, nos formamos professores de Yoga, mas, embora tenhamos o conhecimento inicial para ensinarmos, a Yoga é e sempre será um assunto sobre o qual não se sabe tudo, mesmo após anos e anos de estudo e prática. Dizem por aqui que uma vida não basta para se saber tudo sobre Yoga e eu estico a frase para a Índia. Quando eu achava que sabia alguma coisa daqui, vem Kerala e me surpreende.
Vista da janela do quarto


Muitas surpresas e descobertas nos aguardam por aqui. Ao fim, teremos quase 2 anos de experiência de Índia e sei que ainda será pouco. Ajeito meu sári, checo se meu bindi está no canto e sento confortavelmente na poltrona de nossa sala.  O Brasil que me espere pois receberei daqui pra frente a Índia para jantar.
Ó lá o Brasil.