quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Sobre o Diwali ou "Festival das luzes"

Um mistura de Natal, Ano novo e São João, mas Hindu
Como prometido, falarei um pouco sobre um festival que aconteceu no mês passado por aqui e o qual parece ser o mais importante do ano para os Indianos: O Diwali ou "festival das luzes". Ele é celebrado na lua nova entre Outubro e Novembro. Quase todas os festivais hindus são guiados pelos ciclos da lua, se não me engano, todos. No Norte da Índia, são cinco dias de festa, por aqui, no sul, são apenas dois dias. Embora seja um festival hindu ( e também sikhista, budista e jainista), todos comemoram o feriado por aqui de uma forma ou outra. Aliás, eis um traço muito importante da Índia - são muitas religiões e muitas sub-divisões, mas a maioria das pessoas se respeitam (claro que há sempre extremistas). Para eles, não importa para que Deus você reza, mas que você reze. Não ter uma religião por aqui não é algo errado - é algo inexistente. As pessoas ficam confusas quando alguém se diz ateu, não compreendem como alguém pode viver sem uma força superior que o guie.  

A história do Diwali é longa e ainda muito confusa para mim, são muitos deuses, muitas histórias paralelas, portanto, copio desse site:
Será que conseguirei entender todos os deuses e suas relações?
"Dasharatha, teve três esposas Kôshalayá, Kêykayí e Sumitrá e quatro filhos Ráma, Bharata, Lakshamana e Shatrughan. Ráma foi o filho da rainha Kôshalayá e Bharata foi o filho da Rainha Kêykayi. Kêykayi desejava que Bharata fosse o próximo rei, enquanto o rei Dasharatha desejava que fosse seu filho mais velho. Mas a ciumenta Kêykayi fez uso de dois desejos que o rei Dasharatha tinha lhe concedido e enviou Ráma para o exílio nas florestas, por um período de catorze anos. Durante esse tempo, Ráma lutou e venceu tênues batalhas no sul, que separa o sub-continente Indiano, (acredita-se que seja onde hoje se localiza o Srí Lanka) matando Ravana, um rei demoníaco, que tinha violentamente tomado, como esposa, Sítá. Diwali marca sua volta vitoriosa para seu reino junto com Hanuman, o Vanar (general) que o ajudara a alcançar sucesso.
         A população de Ayôdhya iluminou toda a cidade com dipika (lamparinas a óleo) e fogueiras para celebrar o retorno de seu rei.
         Na época devia ser um espetáculo magnífico de se ver, pois não existia luz elétrica e cada casa era iluminada por uma ou várias dessas lâmpadas; nas ruas, fileiras de fogueiras foram acesas para recepcioná-los. Esta celebração ocorre 20 dias após o dusêra, no amavashya, o 15º dia mais escuro do mês Hindu, na noite da lua nova Ashwini (áshô) (outubro / novembro)."

O que vi por aqui foi ao mesmo tempo fascinante e pertubador.  Fomos convidados a passar o Diwali na casa de uma das professoras da escola. É da natureza do Indiano gostar de receber pessoas em sua casa, especialmente se forem estrangeiros. Logo na ida, a primeira surpresa: éramos 6, com a professora e seu marido, que estava dirigindo. Sem se fazer de rogada, a professora abriu o porta malas do carro e estendeu a mão. Me candidatei e junto com a polonesa Izabela, fui, pela primeira vez na vida, no porta-malas de um carro. A experiência foi apertada, mas maravilhosa. Sentir o ar no rosto, a expressão das pessoas nas ruas. Ninguém se impressionava conosco no porta-malas, elas nos cumprimentavam de suas motos e carros pelo desprendimento. Muitos estrangeiros não fariam o que fizemos, mas eu acho que é o tipo de coisa que você precisa fazer antes de morrer. E no Brasil eu jamais faria tal coisa. É bom estar por aqui pois às vezes, eu tenho a sensação que posso fazer o que quiser. Se eu fizesse algo assim em Fortaleza, a chance de alguém conhecido me ver seria de quase 40 por cento. Fortaleza, como todos sabemos, é uma cidade pequena com roupas de gente grande; todo mundo conhece alguém que conhece alguém que conhece alguém.


Mãe, eu tava segurando, viu?
Ao chegar na casa, fomos recebidos pela família da professora. O Diwali é um evento familiar. Pessoas que moram longe da cidade natal viajam horas e horas para passarem um dia sequer juntos. Enquanto terminava o almoço, nossa anfitriã nos contava a história por traz do festival. Deixei a câmera gravando e resolvi me deliciar com os quitutes oferecidos antes do almoço. Os snacks daqui são maravilhosos, mas é necessário gostar de frituras. Especialmente nessa cidade, todos são loucos por frituras. É preciso se segurar e pensar no colesterol, pois é tudo uma delícia. O Indiano também adora doces e estamos impressionados quantos tipos de doces podem ser produzidos sem chocolate( O Val baba diante dos doces lindos e coloridos das padarias de higiene duvidosa). Cada festival, aniversário ou comemoração é motivo para a troca de doces. Ah, sobre aniversários, uma curiosidade: quando uma criança aniversaria na escola, a mãe manda doces (em geral pequenos pedaços de bolo ou chocolate) para que ela distribua entre os colegas mais queridos e os professores. Ao invés de receber, a criança distribui um agrado. Eles só ganham presentes dos mais próximos ou quando dão festas.


Após nos contar a história, ela nos mostrou como o arroz é temperado por aqui: em uma panela, o arroz cozinha sozinho. Quando é pronto, ele é misturado à massala, misto de pimentas cuja receita é exclusiva de cada familia. Praticamente toda a culinária indiana é produzida com as mãos. À primeira vista, pode parecer pouco higiênico, mas não precisa ser. As mãos são pré-lavadas e as unhas são curtas. Os ingredientes são misturados quando estão apenas mornos para evitar queimaduras. Quando a hora de almoçar chegou, ela limpou o chão da sala em que estavávamos e acomodou as panelas ao centro. Todos sentamos ao redor das panelas e ganhamos um prato descartável do tamanho dos que usamos para bolos. A comida é posta nos pratos com colheres, mas, cadê os talheres? 


Observei atentamente o que a anfitriã fazia e fiz o mesmo. Indianos comem com a mão direita, a mão limpa (a esquerda é considerada impura pois é destinada à higiene pessoal, o que não quer dizer que eles se limpam com a mão, todos os banheiros, até os mais xexelentos, possuem uma ducha e, algumas vezes, papel higiênico). O procedimento é interessante. Sempre há arroz branco, temperado com a massala e uma porção de comidas com molhos. É necessário misturar com a mão o arroz a esses molhos e seus demais ingredientes. Daí eles fazem um bolinho (no Brasil chamariam de 'capitão', mas o bolinho é feito apenas com os dedos). Esse bolinho é levado à boca e, acreditem, não cai um grãozinho.
Comida deliciosa!



Observar um Indiano comendo pode parecer nojento, mas não é. É uma arte comer com as mãos. Não pretendo levar tal hábito à diante, mas, enquanto estiver aqui, comerei com a mão sempre que possível. Senti uma conexão interessante com a comida, uma  sintonia. Uso meu corpo para me alimentar. Se você pensar bem, se você leva à boca, se você leva para dentro de você, qual o problema se sua mão for "suja" no processo? Tem água e tem sabão e desde que cheguei por aqui, comecei a realmente pôr em prática o lavar das mãos antes e depois de comer. Todos o fazem, até porque não dá pra ficar com a mão melecada de comida pegando nas roupas ou na casa. 


O almoço estava delicioso e picante. Mesmo maneirando na massala por ter convidados estrangeiros, o almoço ainda foi apimentando (eu e Val temos uma teoria de que a massala entranha nas mãos das cozinheiras, fazem com que tudo o que elas cozinhem fique extra picante), mas é incrível como estamos nos acostumando. Certos pratos que eram impossíveis de comer são perfeitamente possíveis agora e a gente até anda sentindo falta de uma certa pimentinha quando cozinhamos em casa. Li sobre os benefícios da pimenta e são muitos. Prometo um post depois explicando melhor.


Após comermos, descansamos e  pude enfim colocar o saree que a Izabela tinha me emprestado. Tentamos colocá-lo em casa, mas ninguém foi capaz de fazer as dobras de tecido corretamente. E foi pelas mãos das cunhadas dela que vesti um saree pela primeira vez. É uma experiência inacreditável. Como um pedaço de pano pode ser enrolado de forma tão harmônica, segura e ao mesmo tempo tão sensual? O saree esconde e mostra, brinca com as curvas da mulher e mostra um bom naco de sua barriga. É a antítese da moralização absurda das vestimentas femininas: o saree é uma roupa tradicional, é tida como sagrada, a roupa que a mulher de bem, que valoriza suas tradições, usa. Certas mulheres precisam de autorização do pai e ou do marido para usarem quaisquer outras roupas, como calças. O saree é tradicional, mas seu caimento é sensual demais para a taradice dos homens daqui. Eles respeitam o saree e é através dele que a mulher demonstra sua feminilidade e sensualidade, maquiadas de tradição.


Ao descer, não conseguia parar de me olhar no espelho. Foi quando nossa anfitriã nos chamou para uma volta. A intenção era comprar bijuterias em um mercado próximo, mas acabamos parando numa loja de sarees e eu e Catherine compramos nossos primeiros sarees. De lá, fomos a uma costureira medir e encomendar a blusa e a saia que se usa por debaixo de tanto pano. Em 10 dias, teremos nossos sarees. Espero que lembremos como vestí-lo.
Os sarees são coloridos, chamativos e cheio de brilho e são usados a qualquer hora do dia.
Quando a noite caiu, hora do grande momento da noite. Todos da casa se arrumam. A professora veste um saree especial, de seda pura, e enfeita-se de jóias e maquiagem. Perfuma-se, perfuma a casa, espalha um pó sagrado amarelo pelas portas, esfrega na beira das paredes e nos próprios pés. Acende velas pela casa inteira e pela entrada. De repente, a vizinhança enche-se de luz, de cheiro de vela e incenso. E o silêncio, que antes imperava, é substituído por irritantes rasga-latas e fogos de artifício. Como é o festival das luzes, todos iluminam a casa, a vizinhança e a vida - é a vitória da luz contra a escuridão, tanto de onde você mora, como dentro de você. É um festival de renovação e purificação. 
A porta de uma casa decorada com velas e areia




Há muito tempo tenta-se reduzir o show de fogos de artifício desse festival. Esses explosivos são produzidos em fábricas clandestinas por crianças, e, quando queimados, soltam substâncias nocivas à saúde. Eu nunca vi tanto fogo de artifício. O ano novo de Copacabana perde e feio. Em certos momentos, a sensação era de guerra. Para eles, o que importa é o barulho e não o brilho. Todos os vizinhos soltam fogos e bombinhas, ao mesmo tempo e as ruas são tomadas pela fumaça. O ponto alto para a família que nos recebia foi quando um super bombinha "ignorante" de apenas cinco mil tiros foi acesa. Por um minuto, quase 7 metros de bombas explodiam. A vizinhança pára para admirar o espetáculo. Pedaços de bombinhas em brasa alcançam a todos. A fascinação é generalizada. Há ainda duas caixas enormes, cheias de bombas para essa e a próxima noite de Diwali. Ao voltarmos para casa, mantemos os vidros do carro fechados (dessa vez, todos conseguimos ir dentro do carro), pois bombas e fogos de artifício são acesos nas ruas sem aviso. A sensação de guerra só passa perto de meia noite, quando os fogos param. e todos vão dormir.
Observem a fumaça dos fogos na foto


Como disse meu anfitrião, eles se sentem "orgulhosos pois nós os levaremos em nossos corações para sempre e nunca esqueceremos do Diwali em sua casa". Ele está certo. A experiência foi inesquecível. Sentir a Índia de verdade, na casa de um indiano, dentro das tradições, aromas, gostos e cores que mantêm hábitos milenares que colonização nenhuma conseguiu apagar.
Luz para todos nós!

6 comentários:

  1. Obrigada pela deliciosa viagem, Jamie!
    Você continua escrevendo lindamente.

    Luz, paz, bem.
    Até sempre!

    Josi

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  2. Que legal saber disso tudo, Jamie! Obrigado!

    Que tenso hein esse fogos de artifício e que experiência de vida! Índia é definitivamente um lugar único. ^^

    Ansioso pra saber mais! =)

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  3. Oi Jamie,

    Fui sua aluna no Núcleo de Línguas e peço licença a você para também acompanhar sua viagem e aventuras pela Índia através de seu blog.
    Você escreve e descreve lindamente e pode ter certeza, também nos passa as sensações que está sentindo.
    Sempre me interessei pela cultura indiana e agora, através de sua experência estou conhecendo um pouco mais.
    Obrigada por compartilhar isso.

    Bjs! Muita Luz para vc! Elicélia

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  4. Elicélia, seja bem-vinda! Faça perguntas, sugira posts, sinta-se em casa! Obrigada pela visita e pelos elogios!

    Abraço!

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  5. Jamie,
    Um amigo postou o link do teu blog no facebook e decidi dar uma olhada, e estou viciada! Já te adicionei nos meus faves. Leitura mandatória agora! Adoro teu estilo de escrita e AMO ler blogs interessantes e bem escritos de brasileiros no exterior.
    Parabéns!
    Glênia

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  6. Mas acho que mesmo com 1 bilhão de palavras, não dá pra se explicar tudo o que se sente, a partir que vc coloca os pés na India :)
    Espero que vc esteja gostando e que te mude como pessoa. Passei 1 mês aí só viajando, visitando os trainees da aiesec e pra mim, foi umas das coisas mais marcantes na minha vida. E foi SÓ um mês :)Mas essa é a Incredible India!

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