quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Sobre o Inglês da Índia


Um sotaque como outro qualquer.


Ao enfim chegar à Índia, após três longos e cansativos dias de viagem, fui catar minha mala na tediosa esteira. Um moça de vestes coloridas começa a puxar assunto comigo. Entre uma ou outra palavra perdida, entendo um “country” e concluo que ela quer saber de onde venho. A próxima pergunta foi mais clara, acredito que a moça percebeu que precisava falar devagar ou eu não entenderia o que ela falava; respondi onde trabalharia, a função e por quanto tempo. A mala da moça chegou e logo nos despedimos. A minha mala e meu medo surgiram ao mesmo tempo: o Inglês da Índia é ruim mesmo. Não nego que pensei exatamente nessa palavra, ruim, esse termo pesado e preconceituoso. Não é para menos. A imagem dos Indianos que temos no resto do mundo é ou miserável ou nerd ultra-inteligente com um sotaque hilário( The big band theory não me deixa mentir). O Inglês da Índia, o Hinglish, está para o mundo como o Cearês está para o Brasil. Ambos possuem uma entonação e uma gramática “errada” de um jeitinho irresistivelmente risível diante dos demais sotaques economicamente superiores.
Tão engraçado como os cardápios Brasileiros com  ortografia absurda.


Se você perguntar para qualquer pessoa que venha por aqui qual a opinião dela em relação ao Inglês Indiano, você terá motivos para risadas pelo resto do dia. E não é para menos. Quem fala Inglês, ou nasceu/morou em um país cuja língua oficial seja Inglês ou aprendeu depois da língua materna, seja através de cursos, estudo próprio e até video-game. Caso pertençam ao segundo caso, muito provavelmente um sotaque foi “escolhido”: o Britânico ou o Americano. Escolas e mais escolas de idioma em Fortaleza enchem os bolsos sob a prerrogativa de que lá ensinam Inglês Americano ou Britânico e quem quer estudar nesses locais realmente leva o sotaque em conta. Já vi aluno desistindo do Núcleo de Línguas e correr para a Casa de Cultura da UFC por querer falar “Inglês Britânico” e vice e versa. No entanto, os professores dessas escolas de idiomas são, em sua maioria, Brasileiros. Aprenderam Inglês como a maioria de nós aprendeu; na sala de aula,aprendendo, seja com o Spectrum, com o English File, Gateways ou Top Notch do “My name is...” até atingir a fluência. Só é possível ter sotaque “americano” ou “britânico” se você for Americano ou Britânico e não ter nascido por lá não faz de você menos competente para falar ou até mesmo ensinar tal Idioma. É possível estar em contato com um dos sotaques, é possível utilizar suas variações léxicas e fonéticas, mas não me venha dizer que você fala Inglês Americano. A imensa maioria do mundo fala um Inglês o qual pouca gente ouviu falar; o Inglês Internacional. É um Inglês de comunicação no qual é muito mais importante jogar o lixo no cesto do que se preocupar se é na “trash can” ou na “dust bin” e bom mesmo é saber todas as formas possíveis,  já que a gente nunca sabe com quem vamos conversar e o objetivo de toda conversa é a comunicação. O Brasil é um país só mas quantas formas diferentes de Português falamos? Há um Português certo? O do Sul ou do Nordeste? Então, como querer dizer "É Inglês Americano" se nos próprios EUA existem tantas variações de Inglês distintas e nenhuma delas é errada? Não estou dizendo que cada uma fala do jeito que quer – é claro que regras regem todo idioma e, caso não haja acordo entre um número razoável de falantes sobre um termo, não é possível mudar completamente um idioma porque dá na telha; a questão é que muitas vezes perdemos tempo demais querendo classificar o idioma que falamos como Britânico ou Americano quando há um mundo inteiro dentro desses sotaques e um mundo inteiro além desses sotaques?

Talvez você queira algo que você não precisa.

É uma questão econômica, não linguística. É um exaltar desnecessário. Vale muito mais a pena conhecer um vasto vocabulário e ser capaz de se expressar em qualquer situação, seja formal ou informal, pois a comunicação é o que importa. Daí eu volto para o sotaque Indiano. Seria esse sotaque considerado errado por não se assemelhar aos dois sotaques os quais damos tanta cega importância? É mesmo tão difícil compreeender e ser compreendido na Índia?

Observem minha casa: dois Brasileiros, uma Polonesa, uma Cambojiana, uma Canadense e uma Venezuelana. Nenhum de nós tem Inglês como primeira língua, cada um aprendeu de um jeito diferente e, se prestarmos bem atenção, dá pra saber direitinho de onde cada um veio. A Polonesa mal usa artigos e preposições e dá a mesma intonação para todas as palavras, mas todos a entendemos. A Cambojiana e a Canadense têm nítida influência do Francês no Inglês que falam com todos os arredondamentos de lábios possíveis, mas nós as entendemos. Eu, o Val e a Venezuelana estamos aprendendo cada dia um pouco mais as milhares de facetas do Present Perfect e todos nos comunicamos sem problemas, cada um com um sotaque, vocabulário e formas de pensar a segunda língua que aprenderam de formas completamente diferentes. Nos comunicamos e se falamos algo de diferente, aprendemos com a diferença e não simplesmente dizemos que está errado, como quando a Polonesa descobriu que é possível dizer “better” transformando os dois tts em r e ficou impressionada (mesmo tendo morado por um tempo nos Estados Unidos). Aprendemos, entendemos uns aos outros e temos expressões, entonação e cadência de fala completamente diferentes então, porque consideramos que os Indianos falam errado?  
A grande conquista de falar diferentes idiomas é se comunicar e compreender cada vez mais pessoas e opiniões.


A resposta é simples: preconceito demais e tolerência de menos. Como não conhecemos e não compreendemos nada de seus línguas maternas, rotulamos como errado e nos cegamos diante da influência que nossas língua materna opera em nosso Inglês que consideramos tão limpo e perfeito (tão Britânico ou tão Americano). E se é chega um Britânico ou Americano, a constatação de que seus sotaques “perfeitos” podem não ser eficientes por aqui e por outros lugares do mundo é constrangedora. Um Indiano que frequentou a escola fala no mínimo duas línguas – a materna e Inglês. Em Hyderabad, fala-se Hindi, Telugo, Mavardi e Urdu, além de Inglês. Há alunos que dominam perfeitamente até três dessas línguas. Na escola em que eu trabalho, todos falam Inglês, do diretor aos alunos e algumas faxineiras. Nas ruas, os comerciantes falam pelo menos o que é necessário para realizar a venda. A comunicação pode ser difícil, especialmente com aqueles que não frequentaram a escola, mas com quem frequentou, é possível conversar sobre absolutamente qualquer assunto. O Indiano não vê problema em ser corrigido, em aprender um outro termo, em repensar sua gramática e o mais importante, eles entendem qualquer sotaque. Como lidam com um grande número de línguas ( e com um grande número de estrangeiros), eles entendem que há sempre algo a se aprender quando tratamos de idiomas e que o que realmente importa é a comunicação. Transformam o V em W, o W em V, ignoram o tão complicado som do TH, usam o gerúndio de inapropriadamente, invertem as frases e usam um vocabulário muitas vezes arcaico, mas falam Inglês de forma mais eficiente do que qualquer aluno do último semestre de Inglês em Fortaleza. Eles vivem o idioma, estudam do maternal à faculdade, possuem um vocabulário de cair o queixo. Aqui a pluraridade de idiomas é vista como um aspecto positivo. Na terrinha,vivemos em uma cidade turística, recebemos turistas todos os dias, viajamos pelo mundo inteiro e somos cercados por países que falam Espanhol mas vivemos em um mundo isolado, falando apenas Português, escolhendo sotaques e nos enganando de que estamos sim ensinando Inglês nas escolas e pagando muito caro para que cursos de idioma apaguem nosso sotaque e nos transformem em mini-americanos e mini-britânicos. Nossa preocupação deveria ser comunicar-se e, no entanto, a gente se perde entre “perder” nossa cultura quando idiomas estrangeiros “ameaçam” nosso tão amado Português e no entanto, quando nos dispomos a aprender outro idioma, esquecemos nosso amor à flor do Lácio.
Há mais pessoas no mundo dizendo Ténkiu do que Thank you. Aceite o agradecimento:)

 Não, a Índia não fala Inglês errado, eles falam Inglês com sotaque Indiano, assim como o Francês do Canadá é diferente do Francês da França. Eles não fingem um sotaque o qual nunca falarão, eles adaptam sua cultura a um idioma que é um de seus idiomas oficiais. O Inglês daqui recebe a influência de todas as línguas por aqui faladas e a mistura é exótica, como é a Índia inteira, mas não é errado. Assim como nós fomos colonizados por Portugueses e por isso falamos Português Brasileiro, eles foram colonizados por Ingleses e falam Inglês Indiano. Nas escolas se ensina Espanhol e Francês e ninguém deixou de ser Indiano por isso, enquanto a gente ainda pena com o to be e ironiza a real necessidade de aprender Espanhol. Reclamamos da supervalorização do estrangeiro que quer ensinar seu idioma no nosso país, mas somos nós mesmos que supervalorizamos tal profissional que nem sempre é preparado para ensinar. Falar um idioma, mesmo como língua materna, não significa sabe ensiná-lo, mas fala que você aprendeu Inglês com um “nativo” e todas as portas se abrem para você.


É preciso pensar antes de julgar. É preciso observar seu próprio país, seu próprio idioma, sua própria cultura e como seu país é tratado antes de rotular como errado ou certo. Do alto do salto de mulher branca ocidental formanda em Letras, vindo a esse país para ensinar tal o Inglês que me ensinaram que era o certo, não pude enxergar nada mais que erros, esquecendo das aulas de Sociolinguística e de agir com mais tolerância. E esse é apenas mais um dos doloridos tapas na cara que a Índia me dá todos os dias.

Ps: Fica a dica de um comediante Indiano chamado Russel Peters e sua opinião a respeito do próprio sotaque: http://www.youtube.com/watch?v=vw6RgIf6epQ


sábado, 12 de novembro de 2011

Sobre masturbação pública e machismo




 Noite de Sábado. Meia noite. Quatro moças e um rapaz ocidentais voltam para casa apertados em um tuk-tuk. As mulheres usam leggings por debaixo das blusas que, em seus países de origem, são vestidos e cobrem os ombros com lenços, embora não esteja frio. O motorista do tuk-tuk resolve animar os passageiros com música tecno no último volume. Um pouco bêbados e bastante animados pela salsa do clube de onde estão vindo (que fecha à meia-noite, como todas as casas noturnas por aqui), todos se divertem com o repertório antiquado, mas divertido do motorista. As ruas estão praticamente vazias, mas alguns carros e motos ainda circulam pelas ruas. O tuk tuk cheio de pessoas ocidentais e com música alta chama a atenção e logo motociclistas acompanham o tuk tuk rindo e dançando. Uma moto acompanha o grupo por mais tempo. O piloto parece ter o mesmo destino do tuk tuk lotado. O rapaz do grupo começa a prestar atenção à moto que os acompanha e percebe que o piloto pilota com apenas uma mão - com a outra, se masturba desejando as mulheres do tuk tuk. O rapaz informa às demais moças do tuk tuk o que está acontecendo e pede ao motorista que desligue a música, mas ele não o faz. As moças, indignadas, param de rir e evitam olhar para fora do tuk tuk. O clima, que era descontraído, fica pesado e todos ficam preocupados, pois o piloto continua a seguí-los e o alívio só vem quando o piloto desiste e segue outro caminho.



A cena narrada acima não é de um filme ou de ouvir dizer. Eu era uma das moças no tuk tuk, o rapaz era o Val e somente após muito refletir, resolvi dividir essa história com os leitores do Zevendim. Não dividi antes (já se passa quase três semanas do ocorrido) pois não queria que vocês tivessem uma idéia equivocada do que aconteceu, que um fato pontual acabasse estereotipando um país inteiro. Preciso explicar, antes que conclusões precipitadas sejam tiradas, que os intercâmbios para cá parem e que minha mãe me mande voltar para casa no próximo vôo.

Uma palavra descreve o motociclista que se masturba, a necessidade doentia das mulheres de se cobrirem com todo o pano possível, os assentos dos ônibus separados por gênero, o quão jovem as mulheres precisam se casar, os casamentos arranjados, a presença quase absoluta de apenas homens nas ruas: machismo. Óbvio, constante, alimentado e passado de geração para geração. Sem sequer conversar com as pessoas é possível entender a supremacia masculina. As mulheres daqui são lindas, maquiadas, repletas de jóias, sejam bijuteria ou ouro puro. Podem passar fome, podem nem sonhar com estudos, trabalho, viagem, mas não deixam faltar o óleo de amêndoas que passam no cabelo para que ele cresça e fique enorme e brilhante. É claro que falo da maioria, das pessoas nas ruas, das mulheres e de suas filhas dentro de casa e, infelizmente, das pessoas mais pobres, mas não é assim tão diferente na escola em que trabalho. Mulheres que estudaram, que trabalham, que não são inteiramente dependentes de seus futuros ou atuais maridos, demonstram e cultivam um comportamento machista e sequer percebem. Certas mulheres na escola insistem diariamente no uso do Saree, roupa tradicional sobre a qual já falei por aqui , como se minhas calças ofendessem, como se eu não fosse uma mulher completa caso não me enrole no pano muitas vezes grosso, quente e desconfortável. Para mim, o saree é lindo por ser diferente, brilhoso, roupa de festa cara e por ser a única possibilidade de mostrar um pouco de pele por aqui sem lidar com os olhares tarados dos homens nas ruas, mas está bem longe de ser tão confortável quanto um vestidinho arejado. Porém, o saree, para as gerações atuais, é veementemente recusado. Ele representa o domínio do homem sobre a mulher, é uma exigência dos pais sobre as filhas, dos maridos sobre as esposas. Depende do pai ou do marido a liberação para que a mulher use Churidars ou roupas ocidentais, pois a mulher honrada, digna e, acima de tudo, submissa às vontades da religião, dos gurus e dos homens de suas sociedade, tem como vestimenta diária o saree. É fomentado nas meninas desde pequenininhas a idéia de que precisam ser bonitas, radiantes pois somente assim serão mulheres de verdade. Não é para elas, não é para que se sintam bonitas, para que se amem - é para não ficarem para titias.


Exigência alguma é feita aos homens. Eles andam como querem, com as cores que querem, quase sempre fedendo, bebem quando querem, fumam quando querem, olham descaradamente para qualquer insinuação do corpo feminino. A curiosidade para entender como funciona a mente desses homens é tão grande que puxei conversa com um membro da AIESEC, amigo das meninas do flat que um dia veio por aqui. Ele tentou me explicar e justificar o comportamento dos homens da rua e eu segurei meu nojo em nome de uma mente aberta à opiniões diferentes de um país diferente, mas às vezes dói na alma. A justificativa dele é, se a mulher mostra, o homem tem o direito de olhar, desejar e até tocar. É dever da mulher guardar o corpo, disfarçar as curvas pois o homem é incapaz de controlar seus instintos sexuais. Essas palavras vieram da boca de uma pessoa razoável, um universitário, um intercambista que já viajou para outros países. Ele diz que, por ter conhecido outras culturas, entende que nem todos os homens do mundo pensam assim e que tal comportamento não é tão forte em outros países, mas não lhes tira a razão. Tentei, em vão, mostrar meu ponto de vista, tentei explicar que não somos animais no cio, tentei questionar o porquê das mesmas exigências não serem feitas aos homens, mas, embora ele ouvisse atentamente e buscasse, assim como eu, entender que venho de uma outra cultura, foi nos olhos dele que vi que nada do que eu dizia fazia muito sentido e, sem perceber, já tinha coberto meus ombros que no início da conversa estavam expostos.


Não há um sequer dia em que não me perguntem a razão pela qual ainda não me casei com o Val, quando será a festa, quantos filhos terei. Se elas sonhassem que já fui casada, não teria paz um sequer segundo. Atualmente, estou trabalhando no laboratório de Língua Inglesa. Assumi esse cargo pois a professora anteriormente responsável pela sala precisou demitir-se e por três dias, ela me treinou sobre o trabalho que eu precisava desenvolver. Ela disse para todos que o motivo pelo qual estava saindo da escola era por seu marido ter conseguido um emprego nos Estados Unidos e que ela precisava ir com ele. A real razão eu só descobri depois quando, angustiada, ela me confessou que, na verdade, estava saindo de um casamento arranjado de 7 anos no qual seu marido a batia, a tratava mal, e estava influenciando seriamente o comportamento de seu filho de 5 anos, que já destratava a mãe como o pai o faz. Ela somente me contou pelo que estava passando por eu vir do outro lado do mundo e depois que comentei com ela que já havia sido casada. Eu sou a primeira pessoa separada que ela conheceu na vida e foi difícil para ela entender que meu casamento não acabou por nenhum dos motivos os quais ela listou. A família dela não a entende e não aceita a separação, o marido recusa-se a dar o divórcio e apenas um de seus amigos a apoia. O processo de separação por aqui é demorado e doloroso e foi apenas voltando para a casa dos pais, contra a vontade dos mesmos, que ela conseguiu, ontem, separar-se, pelo menos fisicamente, do marido que a subjulgava.


Machismo. Essa palavra, para a grande maioria das pessoas no Brasil, parece exagero de feministas. Nós, mulheres, alcançamos muito nas últimas décadas, ocupamos cargos de chefia (temos uma mulher no comando no país), temos voz na sociedade e isso nos dá a impressão de que há igualdade de gênero, mas na verdade, se a gente pensar bem, não há. Ainda ganhamos menos, ainda somos tratadas (e muitas vezes nos tratamos) como produtos eróticos, dançamos na boquinha da garrafa e somos "boladonas". Assim como as Indianas, exageramos nos cuidados estéticos, nos desconfortáveis saltos, no gasto absurdo com cosméticos, maquiagem, silicione, academia. Não temos a exigência do casamento tão explícita, mas a exigência existe e  é com indignação que muitos reagem diante da afirmação “não quero ter filhos”. E dessa forma, assim como muita gente ainda acredita que racismo no Brasil não existe, seguimos acreditando que está tudo bem, obrigada. Diante de uma sociedade com o machismo tão descarado, reflito sobre o nosso machismo mascarado. Será que estamos realmente tão longe da Índia, tão modernos, tão "evoluídos"? Um homem se masturbando diante de mulheres que estavam apenas se divertindo, mas que para ele, estavam passando dos limites e dando “cabimento” para que suas vontades sexuais fossem expostas, é algo que certamente não veríamos no Brasil, mas vi o mesmo espanto nos olhos das estrangeiras que moram comigo quando mostrei os vídeos do É o tchan e das Tequileiras. É degradante, mas a gente, no Brasil, nem nota mais, assim como não é absurdo para ninguém por aqui uma mulher coberta com um grosso pano preto em pleno sol do meio-dia, apenas com os olhos à mostra.


quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Sobre o Diwali ou "Festival das luzes"

Um mistura de Natal, Ano novo e São João, mas Hindu
Como prometido, falarei um pouco sobre um festival que aconteceu no mês passado por aqui e o qual parece ser o mais importante do ano para os Indianos: O Diwali ou "festival das luzes". Ele é celebrado na lua nova entre Outubro e Novembro. Quase todas os festivais hindus são guiados pelos ciclos da lua, se não me engano, todos. No Norte da Índia, são cinco dias de festa, por aqui, no sul, são apenas dois dias. Embora seja um festival hindu ( e também sikhista, budista e jainista), todos comemoram o feriado por aqui de uma forma ou outra. Aliás, eis um traço muito importante da Índia - são muitas religiões e muitas sub-divisões, mas a maioria das pessoas se respeitam (claro que há sempre extremistas). Para eles, não importa para que Deus você reza, mas que você reze. Não ter uma religião por aqui não é algo errado - é algo inexistente. As pessoas ficam confusas quando alguém se diz ateu, não compreendem como alguém pode viver sem uma força superior que o guie.  

A história do Diwali é longa e ainda muito confusa para mim, são muitos deuses, muitas histórias paralelas, portanto, copio desse site:
Será que conseguirei entender todos os deuses e suas relações?
"Dasharatha, teve três esposas Kôshalayá, Kêykayí e Sumitrá e quatro filhos Ráma, Bharata, Lakshamana e Shatrughan. Ráma foi o filho da rainha Kôshalayá e Bharata foi o filho da Rainha Kêykayi. Kêykayi desejava que Bharata fosse o próximo rei, enquanto o rei Dasharatha desejava que fosse seu filho mais velho. Mas a ciumenta Kêykayi fez uso de dois desejos que o rei Dasharatha tinha lhe concedido e enviou Ráma para o exílio nas florestas, por um período de catorze anos. Durante esse tempo, Ráma lutou e venceu tênues batalhas no sul, que separa o sub-continente Indiano, (acredita-se que seja onde hoje se localiza o Srí Lanka) matando Ravana, um rei demoníaco, que tinha violentamente tomado, como esposa, Sítá. Diwali marca sua volta vitoriosa para seu reino junto com Hanuman, o Vanar (general) que o ajudara a alcançar sucesso.
         A população de Ayôdhya iluminou toda a cidade com dipika (lamparinas a óleo) e fogueiras para celebrar o retorno de seu rei.
         Na época devia ser um espetáculo magnífico de se ver, pois não existia luz elétrica e cada casa era iluminada por uma ou várias dessas lâmpadas; nas ruas, fileiras de fogueiras foram acesas para recepcioná-los. Esta celebração ocorre 20 dias após o dusêra, no amavashya, o 15º dia mais escuro do mês Hindu, na noite da lua nova Ashwini (áshô) (outubro / novembro)."

O que vi por aqui foi ao mesmo tempo fascinante e pertubador.  Fomos convidados a passar o Diwali na casa de uma das professoras da escola. É da natureza do Indiano gostar de receber pessoas em sua casa, especialmente se forem estrangeiros. Logo na ida, a primeira surpresa: éramos 6, com a professora e seu marido, que estava dirigindo. Sem se fazer de rogada, a professora abriu o porta malas do carro e estendeu a mão. Me candidatei e junto com a polonesa Izabela, fui, pela primeira vez na vida, no porta-malas de um carro. A experiência foi apertada, mas maravilhosa. Sentir o ar no rosto, a expressão das pessoas nas ruas. Ninguém se impressionava conosco no porta-malas, elas nos cumprimentavam de suas motos e carros pelo desprendimento. Muitos estrangeiros não fariam o que fizemos, mas eu acho que é o tipo de coisa que você precisa fazer antes de morrer. E no Brasil eu jamais faria tal coisa. É bom estar por aqui pois às vezes, eu tenho a sensação que posso fazer o que quiser. Se eu fizesse algo assim em Fortaleza, a chance de alguém conhecido me ver seria de quase 40 por cento. Fortaleza, como todos sabemos, é uma cidade pequena com roupas de gente grande; todo mundo conhece alguém que conhece alguém que conhece alguém.


Mãe, eu tava segurando, viu?
Ao chegar na casa, fomos recebidos pela família da professora. O Diwali é um evento familiar. Pessoas que moram longe da cidade natal viajam horas e horas para passarem um dia sequer juntos. Enquanto terminava o almoço, nossa anfitriã nos contava a história por traz do festival. Deixei a câmera gravando e resolvi me deliciar com os quitutes oferecidos antes do almoço. Os snacks daqui são maravilhosos, mas é necessário gostar de frituras. Especialmente nessa cidade, todos são loucos por frituras. É preciso se segurar e pensar no colesterol, pois é tudo uma delícia. O Indiano também adora doces e estamos impressionados quantos tipos de doces podem ser produzidos sem chocolate( O Val baba diante dos doces lindos e coloridos das padarias de higiene duvidosa). Cada festival, aniversário ou comemoração é motivo para a troca de doces. Ah, sobre aniversários, uma curiosidade: quando uma criança aniversaria na escola, a mãe manda doces (em geral pequenos pedaços de bolo ou chocolate) para que ela distribua entre os colegas mais queridos e os professores. Ao invés de receber, a criança distribui um agrado. Eles só ganham presentes dos mais próximos ou quando dão festas.


Após nos contar a história, ela nos mostrou como o arroz é temperado por aqui: em uma panela, o arroz cozinha sozinho. Quando é pronto, ele é misturado à massala, misto de pimentas cuja receita é exclusiva de cada familia. Praticamente toda a culinária indiana é produzida com as mãos. À primeira vista, pode parecer pouco higiênico, mas não precisa ser. As mãos são pré-lavadas e as unhas são curtas. Os ingredientes são misturados quando estão apenas mornos para evitar queimaduras. Quando a hora de almoçar chegou, ela limpou o chão da sala em que estavávamos e acomodou as panelas ao centro. Todos sentamos ao redor das panelas e ganhamos um prato descartável do tamanho dos que usamos para bolos. A comida é posta nos pratos com colheres, mas, cadê os talheres? 


Observei atentamente o que a anfitriã fazia e fiz o mesmo. Indianos comem com a mão direita, a mão limpa (a esquerda é considerada impura pois é destinada à higiene pessoal, o que não quer dizer que eles se limpam com a mão, todos os banheiros, até os mais xexelentos, possuem uma ducha e, algumas vezes, papel higiênico). O procedimento é interessante. Sempre há arroz branco, temperado com a massala e uma porção de comidas com molhos. É necessário misturar com a mão o arroz a esses molhos e seus demais ingredientes. Daí eles fazem um bolinho (no Brasil chamariam de 'capitão', mas o bolinho é feito apenas com os dedos). Esse bolinho é levado à boca e, acreditem, não cai um grãozinho.
Comida deliciosa!



Observar um Indiano comendo pode parecer nojento, mas não é. É uma arte comer com as mãos. Não pretendo levar tal hábito à diante, mas, enquanto estiver aqui, comerei com a mão sempre que possível. Senti uma conexão interessante com a comida, uma  sintonia. Uso meu corpo para me alimentar. Se você pensar bem, se você leva à boca, se você leva para dentro de você, qual o problema se sua mão for "suja" no processo? Tem água e tem sabão e desde que cheguei por aqui, comecei a realmente pôr em prática o lavar das mãos antes e depois de comer. Todos o fazem, até porque não dá pra ficar com a mão melecada de comida pegando nas roupas ou na casa. 


O almoço estava delicioso e picante. Mesmo maneirando na massala por ter convidados estrangeiros, o almoço ainda foi apimentando (eu e Val temos uma teoria de que a massala entranha nas mãos das cozinheiras, fazem com que tudo o que elas cozinhem fique extra picante), mas é incrível como estamos nos acostumando. Certos pratos que eram impossíveis de comer são perfeitamente possíveis agora e a gente até anda sentindo falta de uma certa pimentinha quando cozinhamos em casa. Li sobre os benefícios da pimenta e são muitos. Prometo um post depois explicando melhor.


Após comermos, descansamos e  pude enfim colocar o saree que a Izabela tinha me emprestado. Tentamos colocá-lo em casa, mas ninguém foi capaz de fazer as dobras de tecido corretamente. E foi pelas mãos das cunhadas dela que vesti um saree pela primeira vez. É uma experiência inacreditável. Como um pedaço de pano pode ser enrolado de forma tão harmônica, segura e ao mesmo tempo tão sensual? O saree esconde e mostra, brinca com as curvas da mulher e mostra um bom naco de sua barriga. É a antítese da moralização absurda das vestimentas femininas: o saree é uma roupa tradicional, é tida como sagrada, a roupa que a mulher de bem, que valoriza suas tradições, usa. Certas mulheres precisam de autorização do pai e ou do marido para usarem quaisquer outras roupas, como calças. O saree é tradicional, mas seu caimento é sensual demais para a taradice dos homens daqui. Eles respeitam o saree e é através dele que a mulher demonstra sua feminilidade e sensualidade, maquiadas de tradição.


Ao descer, não conseguia parar de me olhar no espelho. Foi quando nossa anfitriã nos chamou para uma volta. A intenção era comprar bijuterias em um mercado próximo, mas acabamos parando numa loja de sarees e eu e Catherine compramos nossos primeiros sarees. De lá, fomos a uma costureira medir e encomendar a blusa e a saia que se usa por debaixo de tanto pano. Em 10 dias, teremos nossos sarees. Espero que lembremos como vestí-lo.
Os sarees são coloridos, chamativos e cheio de brilho e são usados a qualquer hora do dia.
Quando a noite caiu, hora do grande momento da noite. Todos da casa se arrumam. A professora veste um saree especial, de seda pura, e enfeita-se de jóias e maquiagem. Perfuma-se, perfuma a casa, espalha um pó sagrado amarelo pelas portas, esfrega na beira das paredes e nos próprios pés. Acende velas pela casa inteira e pela entrada. De repente, a vizinhança enche-se de luz, de cheiro de vela e incenso. E o silêncio, que antes imperava, é substituído por irritantes rasga-latas e fogos de artifício. Como é o festival das luzes, todos iluminam a casa, a vizinhança e a vida - é a vitória da luz contra a escuridão, tanto de onde você mora, como dentro de você. É um festival de renovação e purificação. 
A porta de uma casa decorada com velas e areia




Há muito tempo tenta-se reduzir o show de fogos de artifício desse festival. Esses explosivos são produzidos em fábricas clandestinas por crianças, e, quando queimados, soltam substâncias nocivas à saúde. Eu nunca vi tanto fogo de artifício. O ano novo de Copacabana perde e feio. Em certos momentos, a sensação era de guerra. Para eles, o que importa é o barulho e não o brilho. Todos os vizinhos soltam fogos e bombinhas, ao mesmo tempo e as ruas são tomadas pela fumaça. O ponto alto para a família que nos recebia foi quando um super bombinha "ignorante" de apenas cinco mil tiros foi acesa. Por um minuto, quase 7 metros de bombas explodiam. A vizinhança pára para admirar o espetáculo. Pedaços de bombinhas em brasa alcançam a todos. A fascinação é generalizada. Há ainda duas caixas enormes, cheias de bombas para essa e a próxima noite de Diwali. Ao voltarmos para casa, mantemos os vidros do carro fechados (dessa vez, todos conseguimos ir dentro do carro), pois bombas e fogos de artifício são acesos nas ruas sem aviso. A sensação de guerra só passa perto de meia noite, quando os fogos param. e todos vão dormir.
Observem a fumaça dos fogos na foto


Como disse meu anfitrião, eles se sentem "orgulhosos pois nós os levaremos em nossos corações para sempre e nunca esqueceremos do Diwali em sua casa". Ele está certo. A experiência foi inesquecível. Sentir a Índia de verdade, na casa de um indiano, dentro das tradições, aromas, gostos e cores que mantêm hábitos milenares que colonização nenhuma conseguiu apagar.
Luz para todos nós!

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Sobre Yoga, Harmonia e a paranoia da higiene

Sim, sim. Jamie de saree. Ainda nao eh o meu, eh emprestado. Mas, ja comprei meu primeiro saree, aguardem fotos:)

Passadas as duas primeiras semanas, acredito que esse blog possa comecar a ter um tom mais pessoal, menos descritivo e mais emocional. Quem sabe essa vontade ja seja uma influencia da India em mim. Quero dividir com voces, alem de curiosidades, tambem sensacoes. Comeco a sentir a India, comeco a querer entende-la alem de suas dificuldades e impressoes iniciais. Inicio uma busca por harmonia, um equilibrio que, como me contou meu anfitriao de Diwali, faz com que tantas pessoas larguem tudo o que tem no ocidente e fujam para ca - e as vezes nunca mais voltem.

 Estou fazendo Yoga as Segundas, Quartas e Sextas. Nunca me senti tao bem com meu corpo. Na primeira aula, eu era incapaz de concentrar-me, desenvolver as mais simples posturas indicadas pela professora e morria de inveja do Val, que desenvolve tudo sem uma gotinha de suor. Eh que ele tem o alongamento como rotina devido a ciatica que o ataca vez ou outra. Para mim, e tudo mais complicado, ou pelo menos me parecia ser. Porem, dia apos dia, identifico-me com a Yoga. Comecei treinos em academias de musculacao a vida inteira, mas faltava-me motivacao para fazer os mesmos exercicios repetidamente e o proprio corpo tratava de logo inventar uma desculpa para que eu deixasse os exercicios para depois. Acostumei-me a lidar com a mente e dia apos dia, o corpo ia ficando para depois. Na Yoga, aprendi que um nao existe sem o outro. Corpo e mente sao um so e precisam estar em harmonia. Ouvi isso a vida inteira, mas nunca havia vivenciado nada sequer parecido. Consigo sentir cada musculo do meu corpo sendo alongado e exercitado, consigo ver diferenca na minha imunidade atraves dos exercicios de respiracao. Tenho uma instrutora que consegue ser a pessoa mais carrasca e mais doce do mundo, sempre disposta a motivar e cobrar, dentro do meu limite e sempre me forcando a amplia-lo. Venho reparando que tenho mais ciencia do meu corpo e um simples abaixar para pegar algo que caiu no chao eh para mim diferente, como se eu fosse capaz de sentir um prolongamento do meu corpo, como se meus bracos fossem subitamente mais longos e, incrivelmente, eu fosse capaz de controla-los melhor longos que quando eu os sentia mais curtos. A Yoga faz parte da medicina holistica, que entende que o corpo eh harmonico e doencas e enfermidades nao devem ser tratadas simplesmente com remedios, mas que eh necessario entender que falta de harmonia causa a enfermidade e trata-la por completo. Ando evitando remedios, logo os remedios sem os quais eu nao vivia sem. Talvez para tantos estrangeiros, as primeiras semanas na India sejam mais dolorosas por nao procurarem a yoga. Sei que estaria mais estressada e ficando doente por qualquer besteira, nao fosse essa ajuda milenar. E vamos combinar, vir pra India e perder a chance de aprender Yoga na fonte chega a ser uma ofensa.



Essa ideia de aproveitar o que ha de bom por aqui nao eh bem comum entre os demais estrangeiros. Cada novo intercambista que conheco demonstra uma profunda falta de paciencia e desgosto pela terra que escolheram para visitar. Sao sempre comentarios grosseiros sobre o transito, a sujeira, as regras de conduta, a comida. Todos desesperados para voltarem para casa ou irem para outro pais. Ok, nem todos. Minhas flatmates dividem a visao de que nao as coisas por aqui nao sao ruins e sim, diferentes. A Venezuelana, Yssel, que ja esta por aqui ha 5 meses, entende bem como funciona o pais e esta sempre disposta a aprender um pouco mais. Eh possivel ver no olhar dela que, por mais que sinta falta de casa, ela esta aproveitando e buscando ter sempre uma atitude positiva. A Polonesa, Isabella, possui um espirito mais aventureiro. Ela nao so gosta daqui como ja quer morar em outra regiao, para entender os costumes de uma das muitas Indias dentro da India. A Canadense, Catherine e a Cambojiana, Pamela, estao aqui ha apenas uma semana a mais que eu e o Val e, embora encontrem dificuldade em diversos aspectos, querem conhecer e se encantar. Digo isso bem mais sobre a Catherine, que eh com quem mais estou convivendo. A falta de um ou mais parafusos nas cabecas, minha e dela, acabou nos aproximando. Tanto eu, quanto ela e o Val querem se banhar de algum tipo de espiritualidade, longe de querer pertencer a alguma religiao. Com reservas, todos do apartamento 311&312 do Condominio Nagajuna Dreamland, amam a India. Nao sei se eh por morarmos bem - moramos afastados da cidade e longe de tudo, mas temos conforto. Visitamos algumas acomodacoes dentro da cidade que sao de dar medo. Talvez todos nos precisemos de um cantinho limpo e agradavel e a falta de conforto acabe interferindo nos julgamentos acerca do pais. Ha tambem as motivacoes. Muita gente encara um intercambio para ca como uma atitude exotica e acabam se decepcionando. A espiritualidade, a beleza, a harmonia tao famosas no ocidente quando se fala em oriente existe, mas nao eh dada de graca nas esquinas do centro, junto aos mendigos que te cutucam por qualquer trocado. Eh preciso buscar a beleza e eh preciso estar pronto e disposto a recebe-la. E isso nao eh apenas aqui ou em um pais estrangeiro, so fica mais facil quando se sai da rotina. Fortaleza pode ser um inferno pra muita gente, mas possui o por-do-sol mais lindo que eu ja vi. Entender a feiura, entender o lixo, entender o transito, antes de julgar. Quem sou eu pra julgar uma civilizacao tao antiga? E, alem disso, se eu nao estiver preparada para me desafiar, qual o sentido de ter saido da minha cama na conforto da casa dos meus pais?


A paranoia da India chega a dar medo. Li, com tristeza, uma reportagem do estadao (veja o link aqui) sobre o exagero dos pilotos de Formula 1 que estao participando de um evento historico nesse fim de semana em Delhi. Um dos pilotos esta tomando banho com um esparadrapo na boca para nao engolir a agua "suja" do banho. Outro faz bochechos com uisque apos comer qualquer refeicao. O mais absurdo foi o que anda com desinfetante (desinfetante, nao alcool-gel) no bolso e "higieniza as maos" constantemente. Eu tento entender. Sao atletas, uma dor de barriga qualquer pode tirar-lhes um premio para o qual se preparam ha anos, mas temo como essa informacao eh processada por quem nao esta por aqui. Assim como em qualquer lugar do mundo, voce precisa saber viver. Eu nao como em qualquer butiquim sujo do Brasil, portanto, nao comerei por aqui. Eu lavo minhas maos com frequencia, e continuarei o fazendo, principalmente antes e depois das refeicoes. Sao coisas que eu aprendi com minha mae, nao com a India. O conceito de higiene do Indiano eh diferente, mas eu nao fui educada aqui e sei o que me faz mal e o que eh exagero. E banho com esparadrapo na boca eh exagero. Me doi ver gente por aqui concordando com a reportagem, assim como me eh doloroso ouvir como o Indiano nada sabe do Brasil e como os estrangeiros nos veem como bunda e carnaval. E ainda julgam, como diz Livio Oricchio ao finalizar seu artigo: "Abraços, amigos. O Brasil, com todos as irresponsabilidades, inconsequências, desmandos, ladroagem de cidadãos de seus três poderes, e seus imensos problemas estruturais, com saúde e educação,  notadamente, enquadra-se em outra categoria de nação. Bem acima da ocupada, hoje, pela Índia.".Um dia aqui e ele ja se sente superior. Dah nojo e pena. Uma mente fechada e formadora de opiniao, conjuntinho basico para um desastre etico.

Eh isso, vou tentar escrever em breve sobre o Diwali, um festival lindo daqui que aconteceu na semana passada. Estou reunindo fotos e processando tantas informacoes. E eh tomando meu Chai quentinho, em uma xicara nao-descartavel e sem medo de ser feliz que deixo um abraco a todos.

Ps: Deixo um video em interessante do Grande George Carlin sobre a paranoia dos germes, legendadinho para ninguem reclamar! http://www.youtube.com/watch?v=2_l1xfXY0Nw






domingo, 23 de outubro de 2011

Churidars, spicies e tuk-tuks




Desculpem pelos dias sem novidades indianas. Tivemos um problema com a internet que ainda não foi resolvido. Envio este post de um computador da escola agora que sei como funciona o uso do equipamento de laboratório por aqui. Se me perdoarem, ganham (pra variar) um post enoooooooooorme. Vou tentar escrever posts menores e mais pontuais, mas só tentar. Quando os dedos começam eles não param!

O método de ensino da escola é um tanto um quanto tradicional, coloquemos assim. Não pude ainda me aprofundar  na real filosofia por trás das aulas e, por meu pedido, estou apenas observando as aulas e, vez ou outra, apresentando uma apresentação de Power point sobre o Brasil. O que venho percebendo é que, se por um lado as crianças dessa escola recebem mais do que qualquer outra no Brasil, é na liberdade de expressão que elas perdem. Por mais que todos sejam constantemente estimulados por frases e pôsteres colados por toda a escola, é dentro da sala de aula que os professores não conseguem esconder a vontade de que todos sejam padronizados. Há regras bastante explícitas de conduta e, caso elas sejam quebradas, os castigos podem variar entre humilhação (como permanecer em pé durante toda a aula), receber um tapa ou um bom puxão de orelha ou, em último caso, ser mandado para casa com uma advertência. Minha experiência com escolas (que não de idiomas) é quase nula, mas sei que não é bem assim no Brasil. As carteiras são organizadas de modo que um grupo de alunos seja formado, cada aluno ficando de frente para o outro. Para olhar para o professor é necessário virar-se para o lado.  Se o sistema de ensino favorecesse o trabalho em grupo e a ajuda mútua, essa formação seria ideal. Mas com aulas expositivas, é tentador demais não conversar com quem está do lado ou na sua frente – e eles conversam. Eu nunca vi professores gritarem tão alto, nunca vi tanto medo nos olhos das crianças e, mesmo assim, nunca vi tanta indisciplina. Mais uma vez reforço, não estudei à fundo como as coisas se dão por aqui, não sei a teoria por trás disso tudo, não sei que tipo de educação as crianças recebem em casa. São apenas minhas primeiras impressões.

Há basicamente dois tipos de roupas femininas por aqui: as camisas longas com cortes laterais, usadas com leggings apertadas ou com calças bem frouxas chamadas Churidars (como a foto do post) e os sarees (sempre de sandalia baixa, salto so em ocasioes muito especiais). O saree é um corte de tecido de cerca de dois metros de comprimento que é enrolado de uma forma toda especial ao redor do corpo da mulher. Ele é usado com um top que cobre os ombros e quatro dedos do braço. A maioria das mulheres usam Sarees nas ruas, quando não, as camisas com cortes laterais. Embora seja inapropriado para o ambiente de trabalho mostrar os ombros, os braços e as pernas, nada é dito acerca da barriga. Muitos Sarres chegam a mostrar grandes pedaços da barriga, mas isso não é visto como algo sexy. Diferente, não é? Lembro-me claramente de uma das primeiras lições que aprendi no Brasil sobre o tamanho das blusas que os professores devem usar quando dão aula: se você levantar o braço e sua barriga aparecer, a blusa está curta demais.

Uma das primeiras recomendações de quando cheguei aqui foi cobrir-me. Por um tempo, pensei que era da cultura preservar o corpo da mulher apenas para a intimidade e, por isso, deixei para comprar as roupas que usaria na escola por aqui, após entender como funciona o sistema. A verdade é que o homem indiano é absolutamente tarado. Uma volta pelo centro mostra o porquê de tanto pano em volta das mulheres. Tomei um tuk-tuk para o centro da cidade e, como esse veículo é em geral dividido ( a não ser que você pague o valor de todos os passageiros que o motorista poderia ter pego durante a viagem), um rapaz juntou-se à nossa apertada jornada. Eu estava usando um vestido (vestido no Brasil, aqui, blusa) com uma legging. O vestido cobria os ombros, mas, como estava bem quente, puxei as mangas para baixo, deixando os ombros à mostra. O rapaz não conseguia tirar os olhos dos meus ombros e eu nada entendia. Antes de descer, ele nos perguntou de onde éramos e respondemos “Brazil’. Logo ele suspirou, apontou pros meus ombros e disse com um sorriso imenso: “that’s Brazilian style, right?”. Eu estava completamente coberta e já bastante incomodada por ter que usar uma calça com uma roupa que eu geralmente uso como peça única. Tal comentário foi tão chocante que eu mantive o vestido em “Indian style”. Na rua, os homens agressivamente “secam” as mulheres, especialmente as estrangeiras. E se eu ousar vestir uma blusa com um decote discreto, tenho que agüentar rapazes em motocicletas se erguendo para ver se conseguem ver qualquer resquício de seio. Para o Val está sendo absolutamente irritante. Mesmo que eu me cubra da cabeça aos pés, haverá uma fila infindável de homens pensando coisas bem sujas a meu respeito. Diante desse comportamento, é justificável que o Tuk Tuk tenha um lado reservado para mulheres. Não é apenas uma questão de sexismo, é, muitas vezes, uma questão de segurança.
Outro aspecto interessante são os elogios. Elogios entre mulheres chegam a ser cansativos. Com as unhas horríveis após dias e dias de viagem e adequação, resolvi ir ao salão de beleza do meu condomínio para manicure e pedicure. Tais serviços não só foram bem além do que eu esperava (é dado um verdadeiro tratamento de SPA aos pés e pernas, mãos e braços, com direito a massagem, esfoliação e banho de cremes, um mais cheiroso que o outro).  A manicure em si, o pintar das unhas é frustrante – elas pintam as unhas bem pior do que eu e bem longe do que a manicure mais mal treinada no Brasil faria, até porque a acetona daqui é a pior do mundo. Mas, o que me impressionou foi que, durante todo o tratamento de beleza, a manicure me cobriu de todos os tipos de elogios desde “os seu braços são delicadamente desenhados” , passando por “seus tornozelos são lindamente torneados” até “a cor do seu cabelo combina perfeitamente com você”. Você primeiro fica envergonhada, depois se cansa de agradecer e depois começa a te incomodar. Pode parecer esnobe de minha parte, mas tudo o que eu queria era que ela ficasse calada por cinco minutos ou falasse sobre qualquer outro assunto que não minhas “qualidades”. Vocês podem dizer “Ah, ela estava prestando um serviço”, mas na escola não é diferente. As crianças, as colegas de trabalho...a cultura do elogio é muito forte por aqui. Ser e estar bonita é um elogio enorme para as mulheres, mesmo as nada fúteis. Não há como não pegar a mania para si e soltar um “Good morning, how beautiful you look today!” plenamente involuntário.

Já se vai mais de uma semana aqui e chego a uma conclusão mais ou menos definitiva; a Índia é o lugar do exagero. Tanto as coisas boas como as ruins vêm em porções generosas, sejam as pimentas do prato (certos temperos levam até 50 tipos de pimentas diferentes), seja a sujeira nas ruas, seja o trânsito caótico, a pobreza dos mendigos nas ruas, as cores das decorações, o adorno das roupas das mulheres e crianças e especialmente a gentileza das pessoas. Esse ultimo aspecto e na verdade o mais chocante. Nao importa se voce eh daqui ou estrangeiro, as pessoas estao sempre dispostas a te dar uma informacao, te ajudar em alguma coisa e ate dar caronas. A gentileza entre os condominos do condominio em que moro eh assustadora. Eles sempre estao dispostos a dar uma carona, ajudar na compra de algum item local e estao sempre dispostos a conversar, principalmente se for sobre o pais deles e para saber curiosidades do Ocidente. Essa gentileza muitas vezes pode nao ser vista de inicio. Fechados, raramente ouco gargalhadas pela escola ou pelo predio e quando as ouco, sem que sao as roomates chegando. Estrangeiros sao bem vistos, especialmente pelas castas mais baixas. Como nao sabemos diferencia-los, cumprimentamos a todos como iguais e quem nao gosta de ser tratado bem? Ainda nao entendi muito bem como funciona o sistema de castas, se ele eh assim tao cruel e como se da o tratamento entre uma casta e outra, mas assim que eu tiver informacoes seguras, trago para voces, caros leitores. O que sei eh que, como a pobreza eh grande e ha muitas pessoas na India, ha ocupacoes para coisas que, aos nossos olhos, sao desnecessarias. No meu predio, por exemplo, ha uma moca que limpa a casa, um rapaz de recolhe o lixo e, pasmem, o Iron man, um rapaz que vai uma vez por semana ao nosso apartamento engomar as roupas. Todos esses servicos que, para mim, sao luxos desnecessarios, sao comuns e bem aceitos por todos daqui. A faxineira entra todos os dias as 5 horas e quase invisivelmente limpa a casa. Ela nao faz um sequer barulho. Entra de cabeca baixa e sai de cabeca baixa. Descalca, sequer ouco-a caminhar pela casa. Ela passa invisivel por todos no condominio e foi com surpresa e um sorriso imenso faltando varios dentes que ela respondeu ao meu "Good morning!". A sensacao que eu tive eh que aquele era o primeiro bom dia que ela recebia em decadas. Nao da para nao sentir-se mal diante de uma exclusao social tao grande. Entendam, nao eh que tal exclusao nao exista no Brasil, mas em meu pais nao eh tao gritante. Vejo em muitas `madames' Brasileiras o mesmo comportamento que vejo aqui, mas, felizmente, eh mais incomum.


Dia após dia, vou conhecendo um pouco mais daqui e tanto amando e odiando e amando de novo. Espero por perguntas, dúvidas e sugestões. Um abraço a todos!

Ps: Perdoem a falta de acentos, o post foi escrito metade no meu computador e a outra metade do computador da escola, sem acentos.



quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Preparativos, provações e a chegada


Posso dizer que eu não escolhi ir para a Índia; a Índia me escolheu. A cada hora que passo aqui tenho mais certeza disso. Eu precisava estar aqui exatamente nesse período da minha vida, exatamente com a pessoa que está ao meu lado, exatamente na cidade onde estou e no flat onde moro. A Índia me quis aqui e eu vim. E aqui, narrarei essa verdadeira aventura neste país tão diferente de tudo o que eu conhecia até então.

Não foi fácil chegar aqui e estar confortavelmente deitada nessa cama, digitando o conteúdo desse blog, em um quarto cheirando a incenso e vez tendo como paisagem da varanda árvores as quais eu não saberia nomear. O processo foi complicado. Por vezes, cheguei a pensar que essa viagem não seria possível. Informações confusas, uma passagem de avião com o nome trocado, a gentileza imensa de um amigo chamado Stanford, greves, complicações, dúvidas...tudo passa pelos meus olhos como verdadeiras provações, como se o universo quisesse saber se eu era forte o suficiente, se eu sei em quem confiar, como um atleta que prepara o corpo e a mente para a competição que a de vir. Chego á Índia mais calma, mais tolerante, mais compreensiva, mais positiva. Muitas pessoas fizeram parte dessa preparação e as principais foram sem dúvida o Val, minha mãe a Josi. Essas três pessoas me deram os tapas suficientes para que eu me mantivesse com os pés no chão e os olhos focados no futuro. Não poderia dedicar essa viagem a mais ninguém que não eles.Introdução feita, agradecimentos realizados. Bem-vindos à Índia através dos olhos de uma brasileira que queria ver algo de diferente. E conseguiu.


Para chegar à cidade em que agora moro, fizemos escalas São Paulo, em Johanesburgo, na África do Sul e em Mumbai, na Índia. Quatro vôos, três continentes e três dias sem dormir direito. Antes mesmo que chegarmos à Índia, tivemos nosso primeiro contato com algo que será uma constante em todas as refeições que teremos: a pimenta - o almoço do vôo de Johanesburgo para Mumbai era tipicamente indiano e absolutamente apavorante. Havia arroz, uma salada e uma espécie de refogado de legumes. O arroz tinha um cheiro estranho que, para nós, assemelhava-se bizarramente ao fedor insuportável de um armário tomado por baratas, e tanto a salada de legumes quanto o refogado estavam tão apimentados que não fomos capazes de mais que duas garfadas. Nem com vinho conseguimos rebater aquela quantidade absurda de pimenta e curry. O jantar foi um pouco menos apimentado, mas ainda sim, mais apimentado do que esperávamos. A comissária de bordo ficou com pena da gente e tentou de todas as formas abrandar a situação, mas, sem demais opções a bordo, limitou-se a dizer que se iríamos passar 7 meses na Índia, era melhor irmos nos acostumando.
A chegada ao aeroporto de Mumbai foi chocante. Logo após sairmos do avião, um cheiro de peixe morto à beira de um lago e papel de parede velho nos atingiu de cheio. Através do longo corredor até chegarmos à Imigração, esse cheiro foi sendo substituído por eventuais rajadas de incenso. Olhos curiosos e rostos incomuns nos acompanham . No recebimento das malas, o caos. Fileiras de carrinhos vindo de todas as direções quase nos atropelam; onde deveria haver uma fila há pessoas se enfiando onde dá, sempre com pressa, sempre a um ponto de passarem por cima um dos outros. Conseguimos passagens para Hyderabad mais rápido do que esperávamos e em um avião de segurança duvidosa, chegamos ao Aeroporto Internacional Rajin Gandhi e foi lá que vimos nossa primeira alvorada Indiana. Ver o sol nascer sentados nos bancos de espera do Aeroporto foi lindo, como se a Índia acordasse para a nossa chegada, se arrumando e se vestindo com um Saree alaranjado, como fazem as filhas de sua terra. Ao nosso redor, mulheres de burcas, de Sarees, de mãos pintadas de rena, crianças maquiadas, homens de turbantes e de barbas pintadas de laranja. Entre os olhos da maioria, uma bolinha vermelha, às vezes adornada com um brilhante, às vezes um pouco comprida. Alguns homens usando turbante e todos usando camisas de botão e calças sociais. É quase impossível ver jeans por aqui.
Como o aeroporto é longe do centro da cidade, pegamos um ônibus para um local chamado Begumpet. Lá, fomos recebidos por um guarda da escola em que vamos trabalhar, a DRS. Foi nesse caminho que vimos um dos aspectos mais marcantes da Índia: o trânsito. Qualquer preparação anterior para o que vimos aqui seria falha. O trânsito na Índia é absolutamente caótico, mas dentro desse caos, eles se encontram perfeitamente. O sinal de luz é feito com a mão estedida para fora da janela ou da porta ou do vão, pois os tuk-tuks, uma espécie de moto com lugar banco para dois passageiros geralmente usados como taxis, não possuem portas.  Há carros ocidentais como em qualquer outro lugar do mundo e o contraste entre os carros- os populares e os de luxo - é gritante. Todos estão prestes a bater uns nos outros, há sempre um acidente prestes a acontecer – mas só prestes. Os motoristas, por incrível que pareça, são bem mais humanos que no Brasil. Todos são pessoas dirigindo carros e motos, e não simplesmente carros. Há um contato direto entre os motoristas, seja com olhares, seja com sinais com as mãos. Há quantas filas for possível criar, não há preferenciais e a mão é constantemente confusa (além de utilizarem a mão Inglesa).  A buzina é usada para avisar que se está próximo, ou que se está chegando a um local e não se pretende diminuir a velocidade e não para pedir para passar ou impacientar-se com um motorista que não se move. Todos se movem, todos aproveitam cada frestinha e o mais importante, todos chegam aos seus destinos inteiros e, à primeira vista, não parecem estressados com o trânsito. Para mim e para o Val, é assustador pois estamos acostumados às regras. Aqui a regra é chegar ao destino. E sem um arranhão.

Chegando à escola, fomos recepcionados por um gentil senhor que não cansava de perguntar a razão pela qual não éramos casados. Casar por aqui é mais ou menos como menstruar – vai acontecer como um dos ciclos naturais da vida. A estrutura da escola é excelente e já sabemos que não vamos assumir turmas de início e sim assistir aulas e sentir qual o estilo indiano de ensinar. A partir de amanhã vamos assistir aulas. Já recebi os livros. São parecidos com a maioria dos livros didáticos usados em qualquer escola de Fortaleza. Acredito que o grande choque será na sala de aula. Assim como algumas escolas no Brasil, a rotina da escola começa no café da manhã, depois são dados alguns informes em uma espécie de reunião geral com os alunos de cada nível de ensino (fundamental 1 e 2) e, ao final, todos cantam o hino nacional de pé. Depois, seguem para suas salas. Todas as crianças nos cumprimentam com “Good morning, ma’m” e “Good morning, Sir”. É regra da escola falar apenas Inglês nas dependências, pois, por ser uma escola internacional, há alunos e professores de diversas nacionalidades. Mas isso não quer dizer que somos perfeitamente entendidos. O sotaque indiano é muito forte e, embora eles sigam as regras gramaticais do Inglês britânico, a cadência da fala e pronúncia das palavras, além da velocidade tornam a compreensão difícil e muitas vezes até impossível. No Brasil, veríamos tal sotaque como “errado”. Tento não ver assim. Tento ver como uma tentativa de não perderem suas origens. Praticamente todos falam Inglês aqui e todos são incrivelmente pacientes. Como o Val ainda está aprendendo Inglês, a comunicação para ele está beirando o impossível, mas a paciência e a gentileza dos Indianos é de cair o queixo. Eles sabem que falam complicado, mas falam. Eles sabem que é difícil acostumar-se com o sotaque, mas eles esperam, repetem, falam mais devagar, sem cara feia, sem lançar aquele olhar esnobe de “você deveria saber”.
Nossa acomodação é maravilhosa. Já sabemos que ela é uma exceção. Temos uma suíte com ar-condicionado, uma cama boa, guarda-roupa, banho quente e uma varanda linda que dá para uma floresta que mantem o clima ameno. Moramos com uma Cambojiana chamada Pamela, uma Venezuelana chamada Yisele, uma Polonesa chamada Isabella e uma Candense chamada Catherine. Todas são simpáticas e constantemente misturamos Inglês com Francês com Espanhol e Português. Estamos felizes e a experiência de morar juntos pela primeira vez está sendo ótima.

É nosso segundo dia aqui e ainda estamos nos acostumando ao fuso horário. Sempre que temos chance, fugimos para o quarto e literalmente desmaiamos de sono. Vai demorar um bom tempo para nos acostumarmos e retomarmos o sono tranquilamente. Vai demorar um bom tempo para nos acostumarmos com tudo, na verdade. Mas é exatamente isso que eu desejava: o diferente, o bizarro, o estranho, a fuga da zona de conforto. Estamos constantemente atentos, curiosos, impressionados. E está só começando. De pouquinho em pouquinho, detalharei cada aspecto daqui, tão logo eu comece a entender como as coisas se dão. De inícios, eis uma visão geral: não será difícil amar a Índia, até porque ela já nos ama e nos recebe como um anfitrião ansioso em agradar e, ao mesmo tempo, em mostrar como as coisas funcionam por aqui. E se a viagem inteira for uma refeição, ainda nem chegamos na entrada.