Posso dizer que eu não escolhi ir para a Índia; a Índia me escolheu. A cada hora que passo aqui tenho mais certeza disso. Eu precisava estar aqui exatamente nesse período da minha vida, exatamente com a pessoa que está ao meu lado, exatamente na cidade onde estou e no flat onde moro. A Índia me quis aqui e eu vim. E aqui, narrarei essa verdadeira aventura neste país tão diferente de tudo o que eu conhecia até então.
Não foi fácil chegar aqui e estar confortavelmente deitada nessa cama, digitando o conteúdo desse blog, em um quarto cheirando a incenso e vez tendo como paisagem da varanda árvores as quais eu não saberia nomear. O processo foi complicado. Por vezes, cheguei a pensar que essa viagem não seria possível. Informações confusas, uma passagem de avião com o nome trocado, a gentileza imensa de um amigo chamado Stanford, greves, complicações, dúvidas...tudo passa pelos meus olhos como verdadeiras provações, como se o universo quisesse saber se eu era forte o suficiente, se eu sei em quem confiar, como um atleta que prepara o corpo e a mente para a competição que a de vir. Chego á Índia mais calma, mais tolerante, mais compreensiva, mais positiva. Muitas pessoas fizeram parte dessa preparação e as principais foram sem dúvida o Val, minha mãe a Josi. Essas três pessoas me deram os tapas suficientes para que eu me mantivesse com os pés no chão e os olhos focados no futuro. Não poderia dedicar essa viagem a mais ninguém que não eles.Introdução feita, agradecimentos realizados. Bem-vindos à Índia através dos olhos de uma brasileira que queria ver algo de diferente. E conseguiu.
Para chegar à cidade em que agora moro, fizemos escalas São Paulo, em Johanesburgo, na África do Sul e em Mumbai, na Índia. Quatro vôos, três continentes e três dias sem dormir direito. Antes mesmo que chegarmos à Índia, tivemos nosso primeiro contato com algo que será uma constante em todas as refeições que teremos: a pimenta - o almoço do vôo de Johanesburgo para Mumbai era tipicamente indiano e absolutamente apavorante. Havia arroz, uma salada e uma espécie de refogado de legumes. O arroz tinha um cheiro estranho que, para nós, assemelhava-se bizarramente ao fedor insuportável de um armário tomado por baratas, e tanto a salada de legumes quanto o refogado estavam tão apimentados que não fomos capazes de mais que duas garfadas. Nem com vinho conseguimos rebater aquela quantidade absurda de pimenta e curry. O jantar foi um pouco menos apimentado, mas ainda sim, mais apimentado do que esperávamos. A comissária de bordo ficou com pena da gente e tentou de todas as formas abrandar a situação, mas, sem demais opções a bordo, limitou-se a dizer que se iríamos passar 7 meses na Índia, era melhor irmos nos acostumando.
A chegada ao aeroporto de Mumbai foi chocante. Logo após sairmos do avião, um cheiro de peixe morto à beira de um lago e papel de parede velho nos atingiu de cheio. Através do longo corredor até chegarmos à Imigração, esse cheiro foi sendo substituído por eventuais rajadas de incenso. Olhos curiosos e rostos incomuns nos acompanham . No recebimento das malas, o caos. Fileiras de carrinhos vindo de todas as direções quase nos atropelam; onde deveria haver uma fila há pessoas se enfiando onde dá, sempre com pressa, sempre a um ponto de passarem por cima um dos outros. Conseguimos passagens para Hyderabad mais rápido do que esperávamos e em um avião de segurança duvidosa, chegamos ao Aeroporto Internacional Rajin Gandhi e foi lá que vimos nossa primeira alvorada Indiana. Ver o sol nascer sentados nos bancos de espera do Aeroporto foi lindo, como se a Índia acordasse para a nossa chegada, se arrumando e se vestindo com um Saree alaranjado, como fazem as filhas de sua terra. Ao nosso redor, mulheres de burcas, de Sarees, de mãos pintadas de rena, crianças maquiadas, homens de turbantes e de barbas pintadas de laranja. Entre os olhos da maioria, uma bolinha vermelha, às vezes adornada com um brilhante, às vezes um pouco comprida. Alguns homens usando turbante e todos usando camisas de botão e calças sociais. É quase impossível ver jeans por aqui.
Como o aeroporto é longe do centro da cidade, pegamos um ônibus para um local chamado Begumpet. Lá, fomos recebidos por um guarda da escola em que vamos trabalhar, a DRS. Foi nesse caminho que vimos um dos aspectos mais marcantes da Índia: o trânsito. Qualquer preparação anterior para o que vimos aqui seria falha. O trânsito na Índia é absolutamente caótico, mas dentro desse caos, eles se encontram perfeitamente. O sinal de luz é feito com a mão estedida para fora da janela ou da porta ou do vão, pois os tuk-tuks, uma espécie de moto com lugar banco para dois passageiros geralmente usados como taxis, não possuem portas. Há carros ocidentais como em qualquer outro lugar do mundo e o contraste entre os carros- os populares e os de luxo - é gritante. Todos estão prestes a bater uns nos outros, há sempre um acidente prestes a acontecer – mas só prestes. Os motoristas, por incrível que pareça, são bem mais humanos que no Brasil. Todos são pessoas dirigindo carros e motos, e não simplesmente carros. Há um contato direto entre os motoristas, seja com olhares, seja com sinais com as mãos. Há quantas filas for possível criar, não há preferenciais e a mão é constantemente confusa (além de utilizarem a mão Inglesa). A buzina é usada para avisar que se está próximo, ou que se está chegando a um local e não se pretende diminuir a velocidade e não para pedir para passar ou impacientar-se com um motorista que não se move. Todos se movem, todos aproveitam cada frestinha e o mais importante, todos chegam aos seus destinos inteiros e, à primeira vista, não parecem estressados com o trânsito. Para mim e para o Val, é assustador pois estamos acostumados às regras. Aqui a regra é chegar ao destino. E sem um arranhão.
Chegando à escola, fomos recepcionados por um gentil senhor que não cansava de perguntar a razão pela qual não éramos casados. Casar por aqui é mais ou menos como menstruar – vai acontecer como um dos ciclos naturais da vida. A estrutura da escola é excelente e já sabemos que não vamos assumir turmas de início e sim assistir aulas e sentir qual o estilo indiano de ensinar. A partir de amanhã vamos assistir aulas. Já recebi os livros. São parecidos com a maioria dos livros didáticos usados em qualquer escola de Fortaleza. Acredito que o grande choque será na sala de aula. Assim como algumas escolas no Brasil, a rotina da escola começa no café da manhã, depois são dados alguns informes em uma espécie de reunião geral com os alunos de cada nível de ensino (fundamental 1 e 2) e, ao final, todos cantam o hino nacional de pé. Depois, seguem para suas salas. Todas as crianças nos cumprimentam com “Good morning, ma’m” e “Good morning, Sir”. É regra da escola falar apenas Inglês nas dependências, pois, por ser uma escola internacional, há alunos e professores de diversas nacionalidades. Mas isso não quer dizer que somos perfeitamente entendidos. O sotaque indiano é muito forte e, embora eles sigam as regras gramaticais do Inglês britânico, a cadência da fala e pronúncia das palavras, além da velocidade tornam a compreensão difícil e muitas vezes até impossível. No Brasil, veríamos tal sotaque como “errado”. Tento não ver assim. Tento ver como uma tentativa de não perderem suas origens. Praticamente todos falam Inglês aqui e todos são incrivelmente pacientes. Como o Val ainda está aprendendo Inglês, a comunicação para ele está beirando o impossível, mas a paciência e a gentileza dos Indianos é de cair o queixo. Eles sabem que falam complicado, mas falam. Eles sabem que é difícil acostumar-se com o sotaque, mas eles esperam, repetem, falam mais devagar, sem cara feia, sem lançar aquele olhar esnobe de “você deveria saber”.
Nossa acomodação é maravilhosa. Já sabemos que ela é uma exceção. Temos uma suíte com ar-condicionado, uma cama boa, guarda-roupa, banho quente e uma varanda linda que dá para uma floresta que mantem o clima ameno. Moramos com uma Cambojiana chamada Pamela, uma Venezuelana chamada Yisele, uma Polonesa chamada Isabella e uma Candense chamada Catherine. Todas são simpáticas e constantemente misturamos Inglês com Francês com Espanhol e Português. Estamos felizes e a experiência de morar juntos pela primeira vez está sendo ótima.
É nosso segundo dia aqui e ainda estamos nos acostumando ao fuso horário. Sempre que temos chance, fugimos para o quarto e literalmente desmaiamos de sono. Vai demorar um bom tempo para nos acostumarmos e retomarmos o sono tranquilamente. Vai demorar um bom tempo para nos acostumarmos com tudo, na verdade. Mas é exatamente isso que eu desejava: o diferente, o bizarro, o estranho, a fuga da zona de conforto. Estamos constantemente atentos, curiosos, impressionados. E está só começando. De pouquinho em pouquinho, detalharei cada aspecto daqui, tão logo eu comece a entender como as coisas se dão. De inícios, eis uma visão geral: não será difícil amar a Índia, até porque ela já nos ama e nos recebe como um anfitrião ansioso em agradar e, ao mesmo tempo, em mostrar como as coisas funcionam por aqui. E se a viagem inteira for uma refeição, ainda nem chegamos na entrada.
Adorei o relato! Li palavrinha por palavrinha, com muito interesse. Continue, não pare, nos dê cultura!
ResponderExcluirE tire mais fotos!
Felicidades!
Go go, Jamie! Fale mais, pq da Índia, só conheço o Dhalsim do Street Fighter! :p
ResponderExcluirAproveite! :) :*
Rafael, obrigada pela leitura! As fotos estão sendo tiradas, o problema é o upload delas, pq a internet é devagar quase parando:)
ResponderExcluirBruno, e eu que nem jogar Street Fighter eu jogava? hahaha
ResponderExcluirAdorei!
ResponderExcluirAcompanhando daqui e torcendo muito por vocês!
beijão.
Dearest Jamie,
ResponderExcluirCongratulations on meeting India! Not everybody does this in their lifetime!
Be thankful and begin the rest of your life with great joy.
Obrigada pelo carinho, que é imenso do lado de cá! Continuo na torcida acompanhando no Zevintim, tim-tim por tim-tim. Sem pressa, mas vendo o seu aprendizado, o seu crescimento e o amor que você já sente por esse novo universo.
Calma. Paz. Amor sempre.
Abraços carinhosos para Você & Val.
Até sempre!
Josi
Eu tinha um professor de inglês no colégio que dizia que viajar é como colocar óculos e ajustar sua visão a outro lugar. É realmente assim que me sinto toda vez que conheço outra cidade. Tudo tem uma atmosfera diferente. Imagine quando se vai a um país tão diferente e tão mágico quanto a Índia. Espero que você aproveite muito a viagem e que conheça muitos Anandas amigos do Buda, older :p puf puf
ResponderExcluirJosi, dear! Thanks for the comment:)
ResponderExcluirÉ interessante como essa idéia de "a life-time experience" é forte por aqui. A Polonesa que mora comigo moveu o mundo para morar aqui. É como algo que ela precisava fazer, como, sei lá, pular de pára-quedas. Muitos têm vontade, mas poucos coragem. Só tive essa noção aqui. Verei essa viagem mais como um privilégio daqui em diante.
Ananda, amiga do Buda, só vocêam queridã! Não conheci nenhuma outra Ananda ainda e como eu queria...os nomes aqui são um capítulo à parte. Estamos ajustando não somente os óculos, mas o nariz, a boca e o estômago. E aproveitando tudo, com uma dose de pepto-bismol do lado:)
ResponderExcluirLI TUDO!
ResponderExcluirachei muito sincero e bonito!
I can't wait to see the photos! \o/
uma grande conquista, parabens.
ResponderExcluirCaramba J , adorei cada comentário e explicação que fizestes, até a explicação para o "sim" deles (aqui no face) eu gostei, eu já sabia da diferença, mas não como era feito exatamente. Realmente, é bem diferente, ainda mais sentir nas suas palavras a diferença de como as pessoas se relacionam. Sob a sua ótica eu espero conhecer melhor esse mundo que, vc pessoalmente, vislumbra. Por favor, keep going! minha sincera admiração e respeito por você o estar fazendo. Dino César
ResponderExcluirOlá Jamie,
ResponderExcluirVI o link do seu blog n Facebook, no Grupo da AIESEC.
Quando eu vi as informações sobre a AIESEC, vi que teria oportunidades para a Índia e logo me animei!
Estou pesquisando bastante e espero ir para Bangalore ou Delhi.
Parabéns pelo blog e continue com as postagens.
Att,
Vinícius Delgado
Uma historia fantástica, contada por dois amigos que tiveram mais do que coragem pra atravessar o continente.
ResponderExcluirLer esse blog é uma forma de, aos pouquinhos, ir matando a saudade deixada por ambos.
Boa Sorte...
ps.
minha postagem no facebook para divulgar o blog.
beijus
Fabiana (Biana Borbô)
Jamie,
ResponderExcluirEu já estava na onda de sair dessa "zona de conforto" que você comentou e, agora, depois de ler seu blog, ficou tudo muito claro e minha decisão de ir, seja lá pra onde for, já foi tomada.
You only live once, Filipe. Do it.
ResponderExcluirjAMIE, ESTOU ADORANDO LER O SEU BLOG. TANTA COISA DIFERENTE..... TUDO ME PARECE MARAVILHOSO. ESTOU VIVENDO MINHA JUVENTUDE PASSADA OU OUTRA JUVENTUDE ESPIRITUAL, ATRAVÉS DE VC. MAS É ASSIM MESMO, A GENTE SE RENOVA ATRAVÉS DOS SEUS FILHOS E NETOS. EU TB, NA SUA IDADE, TIVE AVENTURAS SEMELHANTES. CLARO QUE NÃO TÃO EXÓTICAS.
ResponderExcluirJAMIE, PELO Q SEI, O SARI SOH EH USADO POR MULHERES CASADAS. E VC É CONSIDERADA CASADA OU SOLTEIRA AÍ (CONTINUO SEM ENCONTRAR A TECLA'QUESTION MARK' CHEERS. VO