quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Preparativos, provações e a chegada


Posso dizer que eu não escolhi ir para a Índia; a Índia me escolheu. A cada hora que passo aqui tenho mais certeza disso. Eu precisava estar aqui exatamente nesse período da minha vida, exatamente com a pessoa que está ao meu lado, exatamente na cidade onde estou e no flat onde moro. A Índia me quis aqui e eu vim. E aqui, narrarei essa verdadeira aventura neste país tão diferente de tudo o que eu conhecia até então.

Não foi fácil chegar aqui e estar confortavelmente deitada nessa cama, digitando o conteúdo desse blog, em um quarto cheirando a incenso e vez tendo como paisagem da varanda árvores as quais eu não saberia nomear. O processo foi complicado. Por vezes, cheguei a pensar que essa viagem não seria possível. Informações confusas, uma passagem de avião com o nome trocado, a gentileza imensa de um amigo chamado Stanford, greves, complicações, dúvidas...tudo passa pelos meus olhos como verdadeiras provações, como se o universo quisesse saber se eu era forte o suficiente, se eu sei em quem confiar, como um atleta que prepara o corpo e a mente para a competição que a de vir. Chego á Índia mais calma, mais tolerante, mais compreensiva, mais positiva. Muitas pessoas fizeram parte dessa preparação e as principais foram sem dúvida o Val, minha mãe a Josi. Essas três pessoas me deram os tapas suficientes para que eu me mantivesse com os pés no chão e os olhos focados no futuro. Não poderia dedicar essa viagem a mais ninguém que não eles.Introdução feita, agradecimentos realizados. Bem-vindos à Índia através dos olhos de uma brasileira que queria ver algo de diferente. E conseguiu.


Para chegar à cidade em que agora moro, fizemos escalas São Paulo, em Johanesburgo, na África do Sul e em Mumbai, na Índia. Quatro vôos, três continentes e três dias sem dormir direito. Antes mesmo que chegarmos à Índia, tivemos nosso primeiro contato com algo que será uma constante em todas as refeições que teremos: a pimenta - o almoço do vôo de Johanesburgo para Mumbai era tipicamente indiano e absolutamente apavorante. Havia arroz, uma salada e uma espécie de refogado de legumes. O arroz tinha um cheiro estranho que, para nós, assemelhava-se bizarramente ao fedor insuportável de um armário tomado por baratas, e tanto a salada de legumes quanto o refogado estavam tão apimentados que não fomos capazes de mais que duas garfadas. Nem com vinho conseguimos rebater aquela quantidade absurda de pimenta e curry. O jantar foi um pouco menos apimentado, mas ainda sim, mais apimentado do que esperávamos. A comissária de bordo ficou com pena da gente e tentou de todas as formas abrandar a situação, mas, sem demais opções a bordo, limitou-se a dizer que se iríamos passar 7 meses na Índia, era melhor irmos nos acostumando.
A chegada ao aeroporto de Mumbai foi chocante. Logo após sairmos do avião, um cheiro de peixe morto à beira de um lago e papel de parede velho nos atingiu de cheio. Através do longo corredor até chegarmos à Imigração, esse cheiro foi sendo substituído por eventuais rajadas de incenso. Olhos curiosos e rostos incomuns nos acompanham . No recebimento das malas, o caos. Fileiras de carrinhos vindo de todas as direções quase nos atropelam; onde deveria haver uma fila há pessoas se enfiando onde dá, sempre com pressa, sempre a um ponto de passarem por cima um dos outros. Conseguimos passagens para Hyderabad mais rápido do que esperávamos e em um avião de segurança duvidosa, chegamos ao Aeroporto Internacional Rajin Gandhi e foi lá que vimos nossa primeira alvorada Indiana. Ver o sol nascer sentados nos bancos de espera do Aeroporto foi lindo, como se a Índia acordasse para a nossa chegada, se arrumando e se vestindo com um Saree alaranjado, como fazem as filhas de sua terra. Ao nosso redor, mulheres de burcas, de Sarees, de mãos pintadas de rena, crianças maquiadas, homens de turbantes e de barbas pintadas de laranja. Entre os olhos da maioria, uma bolinha vermelha, às vezes adornada com um brilhante, às vezes um pouco comprida. Alguns homens usando turbante e todos usando camisas de botão e calças sociais. É quase impossível ver jeans por aqui.
Como o aeroporto é longe do centro da cidade, pegamos um ônibus para um local chamado Begumpet. Lá, fomos recebidos por um guarda da escola em que vamos trabalhar, a DRS. Foi nesse caminho que vimos um dos aspectos mais marcantes da Índia: o trânsito. Qualquer preparação anterior para o que vimos aqui seria falha. O trânsito na Índia é absolutamente caótico, mas dentro desse caos, eles se encontram perfeitamente. O sinal de luz é feito com a mão estedida para fora da janela ou da porta ou do vão, pois os tuk-tuks, uma espécie de moto com lugar banco para dois passageiros geralmente usados como taxis, não possuem portas.  Há carros ocidentais como em qualquer outro lugar do mundo e o contraste entre os carros- os populares e os de luxo - é gritante. Todos estão prestes a bater uns nos outros, há sempre um acidente prestes a acontecer – mas só prestes. Os motoristas, por incrível que pareça, são bem mais humanos que no Brasil. Todos são pessoas dirigindo carros e motos, e não simplesmente carros. Há um contato direto entre os motoristas, seja com olhares, seja com sinais com as mãos. Há quantas filas for possível criar, não há preferenciais e a mão é constantemente confusa (além de utilizarem a mão Inglesa).  A buzina é usada para avisar que se está próximo, ou que se está chegando a um local e não se pretende diminuir a velocidade e não para pedir para passar ou impacientar-se com um motorista que não se move. Todos se movem, todos aproveitam cada frestinha e o mais importante, todos chegam aos seus destinos inteiros e, à primeira vista, não parecem estressados com o trânsito. Para mim e para o Val, é assustador pois estamos acostumados às regras. Aqui a regra é chegar ao destino. E sem um arranhão.

Chegando à escola, fomos recepcionados por um gentil senhor que não cansava de perguntar a razão pela qual não éramos casados. Casar por aqui é mais ou menos como menstruar – vai acontecer como um dos ciclos naturais da vida. A estrutura da escola é excelente e já sabemos que não vamos assumir turmas de início e sim assistir aulas e sentir qual o estilo indiano de ensinar. A partir de amanhã vamos assistir aulas. Já recebi os livros. São parecidos com a maioria dos livros didáticos usados em qualquer escola de Fortaleza. Acredito que o grande choque será na sala de aula. Assim como algumas escolas no Brasil, a rotina da escola começa no café da manhã, depois são dados alguns informes em uma espécie de reunião geral com os alunos de cada nível de ensino (fundamental 1 e 2) e, ao final, todos cantam o hino nacional de pé. Depois, seguem para suas salas. Todas as crianças nos cumprimentam com “Good morning, ma’m” e “Good morning, Sir”. É regra da escola falar apenas Inglês nas dependências, pois, por ser uma escola internacional, há alunos e professores de diversas nacionalidades. Mas isso não quer dizer que somos perfeitamente entendidos. O sotaque indiano é muito forte e, embora eles sigam as regras gramaticais do Inglês britânico, a cadência da fala e pronúncia das palavras, além da velocidade tornam a compreensão difícil e muitas vezes até impossível. No Brasil, veríamos tal sotaque como “errado”. Tento não ver assim. Tento ver como uma tentativa de não perderem suas origens. Praticamente todos falam Inglês aqui e todos são incrivelmente pacientes. Como o Val ainda está aprendendo Inglês, a comunicação para ele está beirando o impossível, mas a paciência e a gentileza dos Indianos é de cair o queixo. Eles sabem que falam complicado, mas falam. Eles sabem que é difícil acostumar-se com o sotaque, mas eles esperam, repetem, falam mais devagar, sem cara feia, sem lançar aquele olhar esnobe de “você deveria saber”.
Nossa acomodação é maravilhosa. Já sabemos que ela é uma exceção. Temos uma suíte com ar-condicionado, uma cama boa, guarda-roupa, banho quente e uma varanda linda que dá para uma floresta que mantem o clima ameno. Moramos com uma Cambojiana chamada Pamela, uma Venezuelana chamada Yisele, uma Polonesa chamada Isabella e uma Candense chamada Catherine. Todas são simpáticas e constantemente misturamos Inglês com Francês com Espanhol e Português. Estamos felizes e a experiência de morar juntos pela primeira vez está sendo ótima.

É nosso segundo dia aqui e ainda estamos nos acostumando ao fuso horário. Sempre que temos chance, fugimos para o quarto e literalmente desmaiamos de sono. Vai demorar um bom tempo para nos acostumarmos e retomarmos o sono tranquilamente. Vai demorar um bom tempo para nos acostumarmos com tudo, na verdade. Mas é exatamente isso que eu desejava: o diferente, o bizarro, o estranho, a fuga da zona de conforto. Estamos constantemente atentos, curiosos, impressionados. E está só começando. De pouquinho em pouquinho, detalharei cada aspecto daqui, tão logo eu comece a entender como as coisas se dão. De inícios, eis uma visão geral: não será difícil amar a Índia, até porque ela já nos ama e nos recebe como um anfitrião ansioso em agradar e, ao mesmo tempo, em mostrar como as coisas funcionam por aqui. E se a viagem inteira for uma refeição, ainda nem chegamos na entrada.

17 comentários:

  1. Adorei o relato! Li palavrinha por palavrinha, com muito interesse. Continue, não pare, nos dê cultura!
    E tire mais fotos!

    Felicidades!

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  2. Go go, Jamie! Fale mais, pq da Índia, só conheço o Dhalsim do Street Fighter! :p

    Aproveite! :) :*

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  3. Rafael, obrigada pela leitura! As fotos estão sendo tiradas, o problema é o upload delas, pq a internet é devagar quase parando:)

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  4. Bruno, e eu que nem jogar Street Fighter eu jogava? hahaha

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  5. Adorei!
    Acompanhando daqui e torcendo muito por vocês!

    beijão.

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  6. Dearest Jamie,
    Congratulations on meeting India! Not everybody does this in their lifetime!
    Be thankful and begin the rest of your life with great joy.

    Obrigada pelo carinho, que é imenso do lado de cá! Continuo na torcida acompanhando no Zevintim, tim-tim por tim-tim. Sem pressa, mas vendo o seu aprendizado, o seu crescimento e o amor que você já sente por esse novo universo.

    Calma. Paz. Amor sempre.
    Abraços carinhosos para Você & Val.
    Até sempre!

    Josi

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  7. Eu tinha um professor de inglês no colégio que dizia que viajar é como colocar óculos e ajustar sua visão a outro lugar. É realmente assim que me sinto toda vez que conheço outra cidade. Tudo tem uma atmosfera diferente. Imagine quando se vai a um país tão diferente e tão mágico quanto a Índia. Espero que você aproveite muito a viagem e que conheça muitos Anandas amigos do Buda, older :p puf puf

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  8. Josi, dear! Thanks for the comment:)

    É interessante como essa idéia de "a life-time experience" é forte por aqui. A Polonesa que mora comigo moveu o mundo para morar aqui. É como algo que ela precisava fazer, como, sei lá, pular de pára-quedas. Muitos têm vontade, mas poucos coragem. Só tive essa noção aqui. Verei essa viagem mais como um privilégio daqui em diante.

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  9. Ananda, amiga do Buda, só vocêam queridã! Não conheci nenhuma outra Ananda ainda e como eu queria...os nomes aqui são um capítulo à parte. Estamos ajustando não somente os óculos, mas o nariz, a boca e o estômago. E aproveitando tudo, com uma dose de pepto-bismol do lado:)

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  10. LI TUDO!
    achei muito sincero e bonito!
    I can't wait to see the photos! \o/

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  11. Caramba J , adorei cada comentário e explicação que fizestes, até a explicação para o "sim" deles (aqui no face) eu gostei, eu já sabia da diferença, mas não como era feito exatamente. Realmente, é bem diferente, ainda mais sentir nas suas palavras a diferença de como as pessoas se relacionam. Sob a sua ótica eu espero conhecer melhor esse mundo que, vc pessoalmente, vislumbra. Por favor, keep going! minha sincera admiração e respeito por você o estar fazendo. Dino César

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  12. Olá Jamie,

    VI o link do seu blog n Facebook, no Grupo da AIESEC.

    Quando eu vi as informações sobre a AIESEC, vi que teria oportunidades para a Índia e logo me animei!

    Estou pesquisando bastante e espero ir para Bangalore ou Delhi.
    Parabéns pelo blog e continue com as postagens.

    Att,
    Vinícius Delgado

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  13. Uma historia fantástica, contada por dois amigos que tiveram mais do que coragem pra atravessar o continente.
    Ler esse blog é uma forma de, aos pouquinhos, ir matando a saudade deixada por ambos.
    Boa Sorte...

    ps.
    minha postagem no facebook para divulgar o blog.
    beijus

    Fabiana (Biana Borbô)

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  14. Jamie,

    Eu já estava na onda de sair dessa "zona de conforto" que você comentou e, agora, depois de ler seu blog, ficou tudo muito claro e minha decisão de ir, seja lá pra onde for, já foi tomada.

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  15. jAMIE, ESTOU ADORANDO LER O SEU BLOG. TANTA COISA DIFERENTE..... TUDO ME PARECE MARAVILHOSO. ESTOU VIVENDO MINHA JUVENTUDE PASSADA OU OUTRA JUVENTUDE ESPIRITUAL, ATRAVÉS DE VC. MAS É ASSIM MESMO, A GENTE SE RENOVA ATRAVÉS DOS SEUS FILHOS E NETOS. EU TB, NA SUA IDADE, TIVE AVENTURAS SEMELHANTES. CLARO QUE NÃO TÃO EXÓTICAS.
    JAMIE, PELO Q SEI, O SARI SOH EH USADO POR MULHERES CASADAS. E VC É CONSIDERADA CASADA OU SOLTEIRA AÍ (CONTINUO SEM ENCONTRAR A TECLA'QUESTION MARK' CHEERS. VO

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