domingo, 5 de fevereiro de 2012

Trabalhar na Índia - As relações de trabalho e as escolas


DRS International School, a escola em que trabalho aqui na Índia


Antes de vir para cá, eu acreditava que trabalhar em uma escola internacional seria um desafio e tanto. No começo foi. Foi a primeira vez que tive a oportunidade de trabalhar em um ambiente de Inglês constante, com alunos fluentes no idioma e também a primeira vez que trabalhei em uma escola de ensino básico e obrigatório – meus dez anos como professora resumem-se ao mundo das aulas particulares, escolas regulares de idiomas, cursos especiais para empresas e ensino universitário semi-presencial. Sempre fugi das escolas, confesso. Medo talvez. Do excesso de trabalho, da falta de respeito dos alunos em relação aos professores, da má remuneração, das péssimas condições de trabalho e recentemente, da constante violência que, infelizmente, virou rotina nos telejornais. É talvez a maior das ironias do mundo que em minha primeira experiência fora do país eu venha a trabalhar em uma escola.



A escola é um mundo completamente diferente. Diferente das escolas de idiomas em que, na maioria das vezes, os alunos estão lá por quererem aprender um idioma e vejo os alunos no máximo duas vezes por semana, aqui vejo os alunos todos os dias, de segunda a sexta e minha tarefa é melhorar o Inglês que eles já falam. Por ser uma escola internacional e por Inglês ser um dos idiomas oficiais do país, essa é a língua franca da escola. Suas línguas maternas são estudadas como segundas línguas, seja Hindi ou Telugo, a língua oficial do estado em que moro, Andhra Pradesh. Além disso, são aulas de Espanhol e Francês são disponibilizadas para os alunos do Ensino Médio, aqui chamados de Secundary (bem como são as aulas em Inglês nas escolas do Brasil, uma aula por semana completamente ineficiente). Se qualquer outro idioma que não Inglês fora das aulas de segunda língua, os alunos são punidos com cartões amarelos que, dependendo da recorrência, podem até resultar em expulsão. Funciona – raramente vejo alunos burlando essa regra com algumas exceções, mas os professores, principalmente os de Hindi e Telugo não seguem tal regra. Além disso, há pouco esforço por parte dos professores em falarem Inglês corretamente e não estou falando no sotaque e sim de regras gramaticais básicas. Alguns falam muito bem, outros apenas se comunicam. A imersão é interessante, mesmo com falhas, mas é imensamente mais eficiente do que o pouco que ví das escolas bilíngues em Fortaleza.



O relacionamento com colegas de trabalho em um país como a Índia é um desafio constante, mas depois que se pega o jeito, dá para passar a maior parte dos seus dias sem grandes conflitos. O maior dos problemas é a passividade. O Indiano costuma aguentar calado uma situação que não lhe agrada e, acostumados a obedecer hierarquias desde muito cedo, não compreendem nossa tendência ao diálogo. Para a gente, se há um problema, o melhor é conversar. Para o Indiano, chega a ser quase uma ofensa, conversar sobre um problema é o último estágio, o que beira o insuportável. Há até quem prefira demitir-se a contestar uma decisão de um superior. Isso não quer dizer que não haja fofoca. Para falar a verdade, na maioria das vezes em que saio da sala para pegar cópias ou café, vejo grupinhos de professores fofocando com pequenos copos de chai nas mãos – sempre em qualquer outro idioma que não Inglês.
Uma das ilustrações do PYP, a lei equivalente à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira


Como em toda a Índia, há mais gente trabalhando na escola do que o realmente necessário. Há pessoas para funções tão específicas e pontuais que, no Brasil, só seria necessária uma pessoa ao invés de cinco, mas aqui, cinco são requisitadas. Não apenas na escola em que eu trabalho essa é uma prática comum. Nas sapatarias, há um funcionário encarregado de calçar e descalçar os sapatos nos clientes. Se não há emprego, cria-se um e assim a economia vai seguindo. Os salários de quem é contratado para essas funções pontuais é irrisório, mas eles continuam em suas funções por ser melhor que nada.
Digamos que a maioria dos professores se encontram na aceitação hostil


Os alunos, como em praticamente qualquer lugar do mundo,  temem mais que respeitam os professores. A hierarquia, como já disse, é coisa séria e somos chamados de Sir e Madame seja lá onde formos e principalmente na escola. Os alunos são treinados a se levantar quando um professor entra na sala e cumprimentá-lo com um melodioso“Good morning, ma’m”. Como a postura do professor é baseada em hierarquias e respeito imposto, as aulas são repletas de gritos, ameaças e punições. Levei um tempo para tentar entender como é possível aprender em um ambiente tão opressor, mas depois de um tempo, entendi que é o mesmo sistema utilizado em casa. O pai manda em todos, a mãe nos filhos e os filhos não mandam em ninguém. Por ser uma escola internacional, talvez a postura devesse ser diferente. Talvez eu não tivesse aguentado um mês por aqui se eu tivesse ficado nas salas de aula e não tivesse sido destacada para o Laboratório de Língua Inglesa. Lá, trabalho sozinha e consigo ministrar minhas aulas como aprendi no Brasil e provo todos os dias que não é necessário gritar com as crianças. Nunca tive que gritar ou mandar aluno algum para a coordenação, pois em minhas aulas tenho minhas próprias regras. Como não podia deixar de ser, a fofoca de que meu modo de ensinar é diferente rapidamente chegou aos ouvidos dos professores por meio dos próprios alunos e eventualmente um professor ou outro pede para assistir minha aula e eu fico muito feliz quando isso acontece, pois essa é a prova de há professores que querem mudar suas posturas em sala. Minhas flatmates que ficaram nas salas de aula envelhecem mais rapidamente que eu e estão constantemente estressadas com as aulas e com os alunos. Vai ver eu não nasci mesmo para dar aula em escolas.
Meus alunos no laboratório em que trabalho


Não posso deixar de comentar sobre as folgas. Aqui, trabalhamos de Segunda à Sábado. O ônibus da escola chega à porta de nosso apartamento pontualmente às 8 da manhã e nos traz de volta às 3:15. São oferecidos café-da-manhã, almoço e lanche na escola. Para os intercambistas, a alimentação faz parte do contrato, para os demais professores e alunos,  cada refeição custa 25 rúpias (1 real). Cada professor tem direito a uma casual leave (falta programada) por mês e no segundo sábado do mês não há aula. É necessário guardar essa falta programada para o caso de doença – diferente do Brasil e da maioria dos países do mundo, não há a prática do respeito ao atestado médico. Aqui tal documento não importa. Questionei a supervisora acerca desse assunto, expliquei que ninguém fica doente por querer e quando se adoece, há gastos e não é justo que seu salário seja diminuído em razão de algo que te deixa de cama, incapaz de trabalhar e ainda tendo o risco de passar algum vírus para os alunos. Além disso, por ser uma escola internacional, regras como essas deveriam ser mais flexíveis. Não adiantou muita coisa, mas foi plantada a sementinha. A verdade é que o asiático vê o trabalho de forma inquestionável, obrigatório, algo enviado por deuses e que deve ser cumprido, doente ou não.
Líder de sala monitorando os corredores em um Sábado de Encontro com Pais


Aprendi muito nesses quarto meses. Aprendi que o meu jeitinho Brasileiro pode ser muito útil dentro da complicada e burocrática estrutura de trabalho indiana. Quando fui enviada ao laboratório, tentei em vão conseguir que as janelas fossem cobertas com cortinas para evitar curiosos e evitar a curiosidade dos alunos e conseguir a tão sonhada atenção completa deles. Na segunda semana de pedidos, quando vi que nada aconteceria, tratei de eu mesma criar uma cortina improvisada – criei quadros de avisos e ocupei todas as janelas com cartazes, avisos e reportagens de revistas. Problema resolvido, menos rugas, mais qualidade de vida. Ninguém jamais reclamou do arranjo – na verdade a escola ficou feliz por ser um problema a menos. Quer dizer, para certas coisas, a insistência é vã. Uma boa quantidade de atitude com uma pitada de criatividade podem transformar os lugares mais inóspitos em lugares agradáveis. Aqui precisei me impor, coisa que raramente precisei fazer no Brasil. Talvez seja esse o grande aprendizado desse intercâmbio – aprender a desenvolver meu trabalho como considero certo e eficiente sem bater de frente, comendo pelas beiradas, aprendendo o que for melhorar minha prática e descartando aqui que não é interessante. Nem tanto ao mar e nem tanto à terra, ou melhor, nem tanto à India e nem tanto ao Brasil.