quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Sobre o Inglês da Índia


Um sotaque como outro qualquer.


Ao enfim chegar à Índia, após três longos e cansativos dias de viagem, fui catar minha mala na tediosa esteira. Um moça de vestes coloridas começa a puxar assunto comigo. Entre uma ou outra palavra perdida, entendo um “country” e concluo que ela quer saber de onde venho. A próxima pergunta foi mais clara, acredito que a moça percebeu que precisava falar devagar ou eu não entenderia o que ela falava; respondi onde trabalharia, a função e por quanto tempo. A mala da moça chegou e logo nos despedimos. A minha mala e meu medo surgiram ao mesmo tempo: o Inglês da Índia é ruim mesmo. Não nego que pensei exatamente nessa palavra, ruim, esse termo pesado e preconceituoso. Não é para menos. A imagem dos Indianos que temos no resto do mundo é ou miserável ou nerd ultra-inteligente com um sotaque hilário( The big band theory não me deixa mentir). O Inglês da Índia, o Hinglish, está para o mundo como o Cearês está para o Brasil. Ambos possuem uma entonação e uma gramática “errada” de um jeitinho irresistivelmente risível diante dos demais sotaques economicamente superiores.
Tão engraçado como os cardápios Brasileiros com  ortografia absurda.


Se você perguntar para qualquer pessoa que venha por aqui qual a opinião dela em relação ao Inglês Indiano, você terá motivos para risadas pelo resto do dia. E não é para menos. Quem fala Inglês, ou nasceu/morou em um país cuja língua oficial seja Inglês ou aprendeu depois da língua materna, seja através de cursos, estudo próprio e até video-game. Caso pertençam ao segundo caso, muito provavelmente um sotaque foi “escolhido”: o Britânico ou o Americano. Escolas e mais escolas de idioma em Fortaleza enchem os bolsos sob a prerrogativa de que lá ensinam Inglês Americano ou Britânico e quem quer estudar nesses locais realmente leva o sotaque em conta. Já vi aluno desistindo do Núcleo de Línguas e correr para a Casa de Cultura da UFC por querer falar “Inglês Britânico” e vice e versa. No entanto, os professores dessas escolas de idiomas são, em sua maioria, Brasileiros. Aprenderam Inglês como a maioria de nós aprendeu; na sala de aula,aprendendo, seja com o Spectrum, com o English File, Gateways ou Top Notch do “My name is...” até atingir a fluência. Só é possível ter sotaque “americano” ou “britânico” se você for Americano ou Britânico e não ter nascido por lá não faz de você menos competente para falar ou até mesmo ensinar tal Idioma. É possível estar em contato com um dos sotaques, é possível utilizar suas variações léxicas e fonéticas, mas não me venha dizer que você fala Inglês Americano. A imensa maioria do mundo fala um Inglês o qual pouca gente ouviu falar; o Inglês Internacional. É um Inglês de comunicação no qual é muito mais importante jogar o lixo no cesto do que se preocupar se é na “trash can” ou na “dust bin” e bom mesmo é saber todas as formas possíveis,  já que a gente nunca sabe com quem vamos conversar e o objetivo de toda conversa é a comunicação. O Brasil é um país só mas quantas formas diferentes de Português falamos? Há um Português certo? O do Sul ou do Nordeste? Então, como querer dizer "É Inglês Americano" se nos próprios EUA existem tantas variações de Inglês distintas e nenhuma delas é errada? Não estou dizendo que cada uma fala do jeito que quer – é claro que regras regem todo idioma e, caso não haja acordo entre um número razoável de falantes sobre um termo, não é possível mudar completamente um idioma porque dá na telha; a questão é que muitas vezes perdemos tempo demais querendo classificar o idioma que falamos como Britânico ou Americano quando há um mundo inteiro dentro desses sotaques e um mundo inteiro além desses sotaques?

Talvez você queira algo que você não precisa.

É uma questão econômica, não linguística. É um exaltar desnecessário. Vale muito mais a pena conhecer um vasto vocabulário e ser capaz de se expressar em qualquer situação, seja formal ou informal, pois a comunicação é o que importa. Daí eu volto para o sotaque Indiano. Seria esse sotaque considerado errado por não se assemelhar aos dois sotaques os quais damos tanta cega importância? É mesmo tão difícil compreeender e ser compreendido na Índia?

Observem minha casa: dois Brasileiros, uma Polonesa, uma Cambojiana, uma Canadense e uma Venezuelana. Nenhum de nós tem Inglês como primeira língua, cada um aprendeu de um jeito diferente e, se prestarmos bem atenção, dá pra saber direitinho de onde cada um veio. A Polonesa mal usa artigos e preposições e dá a mesma intonação para todas as palavras, mas todos a entendemos. A Cambojiana e a Canadense têm nítida influência do Francês no Inglês que falam com todos os arredondamentos de lábios possíveis, mas nós as entendemos. Eu, o Val e a Venezuelana estamos aprendendo cada dia um pouco mais as milhares de facetas do Present Perfect e todos nos comunicamos sem problemas, cada um com um sotaque, vocabulário e formas de pensar a segunda língua que aprenderam de formas completamente diferentes. Nos comunicamos e se falamos algo de diferente, aprendemos com a diferença e não simplesmente dizemos que está errado, como quando a Polonesa descobriu que é possível dizer “better” transformando os dois tts em r e ficou impressionada (mesmo tendo morado por um tempo nos Estados Unidos). Aprendemos, entendemos uns aos outros e temos expressões, entonação e cadência de fala completamente diferentes então, porque consideramos que os Indianos falam errado?  
A grande conquista de falar diferentes idiomas é se comunicar e compreender cada vez mais pessoas e opiniões.


A resposta é simples: preconceito demais e tolerência de menos. Como não conhecemos e não compreendemos nada de seus línguas maternas, rotulamos como errado e nos cegamos diante da influência que nossas língua materna opera em nosso Inglês que consideramos tão limpo e perfeito (tão Britânico ou tão Americano). E se é chega um Britânico ou Americano, a constatação de que seus sotaques “perfeitos” podem não ser eficientes por aqui e por outros lugares do mundo é constrangedora. Um Indiano que frequentou a escola fala no mínimo duas línguas – a materna e Inglês. Em Hyderabad, fala-se Hindi, Telugo, Mavardi e Urdu, além de Inglês. Há alunos que dominam perfeitamente até três dessas línguas. Na escola em que eu trabalho, todos falam Inglês, do diretor aos alunos e algumas faxineiras. Nas ruas, os comerciantes falam pelo menos o que é necessário para realizar a venda. A comunicação pode ser difícil, especialmente com aqueles que não frequentaram a escola, mas com quem frequentou, é possível conversar sobre absolutamente qualquer assunto. O Indiano não vê problema em ser corrigido, em aprender um outro termo, em repensar sua gramática e o mais importante, eles entendem qualquer sotaque. Como lidam com um grande número de línguas ( e com um grande número de estrangeiros), eles entendem que há sempre algo a se aprender quando tratamos de idiomas e que o que realmente importa é a comunicação. Transformam o V em W, o W em V, ignoram o tão complicado som do TH, usam o gerúndio de inapropriadamente, invertem as frases e usam um vocabulário muitas vezes arcaico, mas falam Inglês de forma mais eficiente do que qualquer aluno do último semestre de Inglês em Fortaleza. Eles vivem o idioma, estudam do maternal à faculdade, possuem um vocabulário de cair o queixo. Aqui a pluraridade de idiomas é vista como um aspecto positivo. Na terrinha,vivemos em uma cidade turística, recebemos turistas todos os dias, viajamos pelo mundo inteiro e somos cercados por países que falam Espanhol mas vivemos em um mundo isolado, falando apenas Português, escolhendo sotaques e nos enganando de que estamos sim ensinando Inglês nas escolas e pagando muito caro para que cursos de idioma apaguem nosso sotaque e nos transformem em mini-americanos e mini-britânicos. Nossa preocupação deveria ser comunicar-se e, no entanto, a gente se perde entre “perder” nossa cultura quando idiomas estrangeiros “ameaçam” nosso tão amado Português e no entanto, quando nos dispomos a aprender outro idioma, esquecemos nosso amor à flor do Lácio.
Há mais pessoas no mundo dizendo Ténkiu do que Thank you. Aceite o agradecimento:)

 Não, a Índia não fala Inglês errado, eles falam Inglês com sotaque Indiano, assim como o Francês do Canadá é diferente do Francês da França. Eles não fingem um sotaque o qual nunca falarão, eles adaptam sua cultura a um idioma que é um de seus idiomas oficiais. O Inglês daqui recebe a influência de todas as línguas por aqui faladas e a mistura é exótica, como é a Índia inteira, mas não é errado. Assim como nós fomos colonizados por Portugueses e por isso falamos Português Brasileiro, eles foram colonizados por Ingleses e falam Inglês Indiano. Nas escolas se ensina Espanhol e Francês e ninguém deixou de ser Indiano por isso, enquanto a gente ainda pena com o to be e ironiza a real necessidade de aprender Espanhol. Reclamamos da supervalorização do estrangeiro que quer ensinar seu idioma no nosso país, mas somos nós mesmos que supervalorizamos tal profissional que nem sempre é preparado para ensinar. Falar um idioma, mesmo como língua materna, não significa sabe ensiná-lo, mas fala que você aprendeu Inglês com um “nativo” e todas as portas se abrem para você.


É preciso pensar antes de julgar. É preciso observar seu próprio país, seu próprio idioma, sua própria cultura e como seu país é tratado antes de rotular como errado ou certo. Do alto do salto de mulher branca ocidental formanda em Letras, vindo a esse país para ensinar tal o Inglês que me ensinaram que era o certo, não pude enxergar nada mais que erros, esquecendo das aulas de Sociolinguística e de agir com mais tolerância. E esse é apenas mais um dos doloridos tapas na cara que a Índia me dá todos os dias.

Ps: Fica a dica de um comediante Indiano chamado Russel Peters e sua opinião a respeito do próprio sotaque: http://www.youtube.com/watch?v=vw6RgIf6epQ