domingo, 23 de setembro de 2012

Sobre como perder minha câmera me fez ver a Índia com meus próprios olhos



Por um descuido, perdi minha câmera em um tuk tuk de Delhi. Perdi minha câmera com as fotos do India Gate cuja beleza ao pôr-do-sol ficou apenas em minha memória. Até adquirir uma câmera nova, terei que guardar na memória o colorido sujo daqui.

Perder uma câmera em um lugar como a Índia é quase um crime. A cada esquina há uma foto esperando para ser tirada. É um país fotogênico. Todo estrangeiro por aqui porta uma câmera na mão e perto dele, uma grupo de indianos tira foto do que pra eles é mágico: o homem ocidental. Estar em um lugar e não guardar dele uma sequer foto é como não ter estado. Quem vai ao Taj Mahal vai mais pelas fotos (de si, com o Taj ao fundo) do que pelo Taj em si. Não é por menos: nos dias em que vivemos, um evento sem foto não aconteceu. Em todo aniversário o pipocar de flashes dura mais que todos os abraços trocados. Celulares com câmera registram desde amantes fugindo da fúria de esposas traídas até a xícara de café que se toma à tarde, às 4 e meia, via instangram, 5 likes por isso.

Lembrei de quando estava em Hampi e a bateria da câmera descarregou logo no começo de dia reservado ao passeio pelos inúmeros e inenarráveis templos de lá. Pensei, por um breve segundo,  se ainda valeria à  pena continuar a percorrer aquela imensa quantidade de monumentos sem registrá-los, sem levar um pouco de sua beleza comigo. Quando me vi me perguntando se a ausência do registro de um lugar tão bonito me impediria por ele passear, me senti medíocre. Como poderia eu pensar em impedir  que tantas cores penetrassem minhas retinas, simplesmente por não poder dividir minha experiência com meus amigos no facebook? Em que momento da minha vida alguns likes se tornaram mais importantes do que realmente vivenciar o lugar em que estou? Como comparar a experiência de estar em um lugar que tanto vi por fotos com as fotos que dele tirarei?

 Sem câmera, comecei a ponderar sobre a importância de minha fotografia. O quão fiel seria o registro daquele local através de fotos? Como registrar o calor do sol do começo do verão bronzeando meu rosto? Como descrever estar na presença de macacos que vivem livres, entre templos e pedras? Quem era eu para pensar em não aproveitar o silêncio de templos construídos em uma época em que câmeras fotográficas nem sequer existiam?

Sem câmera, sem a necessidade de registrar, sem emoldurar as imagens que eu via, comecei a melhor aproveitá-las. Observei os corpos esculpidos em pedras que parecem dançar como se estivessem vivos diante de mim, como se eu quase pudesse ouvir sua música e também entrar na dança. Entendi melhor adornos que cobriam o chão, o teto e as paredes de um lugar produzido para adoração de deuses coloridos e brilhosos. Percebi o que o olhar dos indianos (que também ali estavam como turistas) via detalhes que meu olhar ocidental perdia.

Sim, perdi minha câmera e com ela o registro de um pôr-do-sol que não cansa de ficar mais bonito a cada nova cidade que conhecemos, mas as sensações que lá tive, o vento no rosto no tuk tuk de ida e no de volta, o beijo trocado ao nos sentarmos à grama e o imenso nome “India” se impondo diante de uma Delhi que anoitece são memórias que jamais deixarão meus sentidos e jamais serão esquecidas, nem por mim e nem em tuk tuk algum. 

2 comentários:

  1. Jamie querida, quando a alma registra, nada mais se apaga. Encanta-me poder vislumbrar todas essas fotografias compostas em palavras, são lugares escritos agora. Instiga-nos a imaginação por acrescentarmos um colorido pessoal. Quanto deslumbre. Parabéns pela saga!

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  2. Sou um convicto adepto de que a experiência não cobra registros mecânicos ou testemunho de terceiros. Estas coisas de registro já são em si outras experiências posteriores a um acontecimento significativo ou à paisagem experimentada. Algumas pessoas se surpreendem do fato de que eu nem sempre queira fotografar minhas experiências não-ordinárias, sendo fotógrafo, e nem sempre carregue uma câmera quando vou a um evento de fotografia.

    Eis o recado que a perca de sua câmera transformada em crônica pode deixar: Existe vida, muita vida, para além da exposição da própria em telinhas retangulares.

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