Por um descuido, perdi minha câmera em um tuk
tuk de Delhi. Perdi minha câmera com as fotos do India Gate cuja beleza ao pôr-do-sol ficou apenas em minha memória.
Até adquirir uma câmera nova, terei que guardar na memória o colorido sujo
daqui.
Perder uma câmera em um lugar como a Índia é
quase um crime. A cada esquina há uma foto esperando para ser tirada. É um país
fotogênico. Todo estrangeiro por aqui porta uma câmera na mão e perto dele, uma
grupo de indianos tira foto do que pra eles é mágico: o homem ocidental. Estar
em um lugar e não guardar dele uma sequer foto é como não ter estado. Quem vai
ao Taj Mahal vai mais pelas fotos (de si, com o Taj ao fundo) do que pelo Taj
em si. Não é por menos: nos dias em que vivemos, um evento sem foto não
aconteceu. Em todo aniversário o pipocar de flashes dura mais que todos os
abraços trocados. Celulares com câmera registram desde amantes fugindo da fúria
de esposas traídas até a xícara de café que se toma à tarde, às 4 e meia, via
instangram, 5 likes por isso.
Lembrei de quando estava em Hampi e a bateria
da câmera descarregou logo no começo de dia reservado ao passeio pelos inúmeros
e inenarráveis templos de lá. Pensei, por um breve segundo, se ainda valeria à pena continuar a percorrer aquela imensa
quantidade de monumentos sem registrá-los, sem levar um pouco de sua beleza
comigo. Quando me vi me perguntando se a ausência do registro de um lugar tão
bonito me impediria por ele passear, me senti medíocre. Como poderia eu pensar
em impedir que tantas cores penetrassem
minhas retinas, simplesmente por não poder dividir minha experiência com meus
amigos no facebook? Em que momento da minha vida alguns likes se tornaram mais
importantes do que realmente vivenciar o lugar em que estou? Como comparar a
experiência de estar em um lugar que tanto vi por fotos com as fotos que dele
tirarei?
Sem
câmera, comecei a ponderar sobre a importância de minha fotografia. O quão fiel
seria o registro daquele local através de fotos? Como registrar o calor do sol
do começo do verão bronzeando meu rosto? Como descrever estar na presença de
macacos que vivem livres, entre templos e pedras? Quem era eu para pensar em
não aproveitar o silêncio de templos construídos em uma época em que câmeras
fotográficas nem sequer existiam?
Sem câmera, sem a necessidade de registrar, sem
emoldurar as imagens que eu via, comecei a melhor aproveitá-las. Observei os
corpos esculpidos em pedras que parecem dançar como se estivessem vivos diante
de mim, como se eu quase pudesse ouvir sua música e também entrar na dança.
Entendi melhor adornos que cobriam o chão, o teto e as paredes de um lugar
produzido para adoração de deuses coloridos e brilhosos. Percebi o que o olhar
dos indianos (que também ali estavam como turistas) via detalhes que meu olhar
ocidental perdia.
Sim, perdi minha câmera e com ela o registro de
um pôr-do-sol que não cansa de ficar mais bonito a cada nova cidade que
conhecemos, mas as sensações que lá tive, o vento no rosto no tuk tuk de ida e
no de volta, o beijo trocado ao nos sentarmos à grama e o imenso nome “India”
se impondo diante de uma Delhi que anoitece são memórias que jamais deixarão
meus sentidos e jamais serão esquecidas, nem por mim e nem em tuk tuk algum.
Jamie querida, quando a alma registra, nada mais se apaga. Encanta-me poder vislumbrar todas essas fotografias compostas em palavras, são lugares escritos agora. Instiga-nos a imaginação por acrescentarmos um colorido pessoal. Quanto deslumbre. Parabéns pela saga!
ResponderExcluirSou um convicto adepto de que a experiência não cobra registros mecânicos ou testemunho de terceiros. Estas coisas de registro já são em si outras experiências posteriores a um acontecimento significativo ou à paisagem experimentada. Algumas pessoas se surpreendem do fato de que eu nem sempre queira fotografar minhas experiências não-ordinárias, sendo fotógrafo, e nem sempre carregue uma câmera quando vou a um evento de fotografia.
ResponderExcluirEis o recado que a perca de sua câmera transformada em crônica pode deixar: Existe vida, muita vida, para além da exposição da própria em telinhas retangulares.