E enfim,
fomos para Goa...durante as monsões. Mas não pensem que foi fácil chegar lá. Do nosso cantinho em Kerala, é bem difícil
viajar.Por ser uma cidade pequena, os ônibus interestaduais só partem de
Pallakad e Chochin, há duas horas de Perinthalmana. Além disso, para chegar à
Goa de ônibus, é necessário ir para Magalore, em Karnakata e os ônibus que
partem para Mangalore são de madrugada. Prometido para 1 da manhã, o ônibus
chegou ás três e, exaustos, depois de um dia que incluiu festa de comemoração
de Onam e a perda de um de nossos gatinhos, dormimos imediatamente e acordamos
em Magalore.

Mangalore é
uma cidade de médio porte no Estado de Karnataka, o mesmo estado de nossa
adorada Hampi. Adoramos a cidade exatamente por ser mais urbana que
Perinthalmana. É uma cidade predominantemente cristã, o que é fácil de perceber
pela quantidade de igrejas e o número resumido de mulheres de burca na rua. A
passagem para Panjim, Goa era para nove horas da noite então, resolvemos nos
dar direito a uma cama e banho. Procurar uma pousada bem baratinha (já que só
passaríamos alguma horas) foi uma aventura, mas achamos um local realmente barato...e
terrível. As paredes do banheiro eram
pretas de sujeira, o quarto caía aos pedaços e, acreditem, é uma pensão e
várias pessoas moram lá. Coisas com as quais você precisa se acostumar ao
mochilar: nem toda pousada vai ser um sonho. Devidamente descansados, partimos
para o tão sonhado sleeper bus para Goa.
Um ônibus
leito, sleeper, na Índia, é algo muito interessante. As camas (literalmente
camas) são organizadas na vertical, como beliches. Isso não quer dizer que a
viagem vá ser exatamente confortável. Mesmo sendo um ônibus com ar-condicionado, a estrada de Mangalore
para Goa parecia um pesadelo de buracos. Não conseguimos dormir nada. Quando enfim chegamos em Panjim, às 6 da
manhã, uma tempestade nos deu boas-vindas nada agradáveis. Mal sabíamos que a
chuva seria nossa companheira durante toda a viagem.

Panjim é
uma cidade linda. Há um ditado que diz que “se fores a Goa, não precisas ver
Lisboa”. Ainda não conheço Lisboa, mas Goa nos presenteou com certas coisas as
quais sentíamos falta há muito tempo: calçadas (é quase impossível achar
calçadas em algumas cidades da Índia e quando existem, são quebradas, tomadas
de vendedores, mendigos ou restos fisiológicos, se é que você me entende), café
com pão fresco (ainda não é um carioquinha, mas é bem melhor que pão de forma),
uma arquitetura diferente e, talvez a melhor parte, quase ninguém nos olhando
como se fôssemos seres de outro planeta, pois muitos turistas visitam Goa e
Panjim é a cidade base para visitar todas as praias. Ficamos em uma pousada
muito bonita e durante o processo de check-in descobrimos que o dono da
Pousada, Seu João, fala Português fluentemente. Apenas há quarenta anos, Goa
conseguiu a Independência de Portugal. Os mais velhos aprenderam Português na
escola. As escolas não ensinam Português, mas é possível ver nas placas de
lojas, nomes de ruas e nomes dos pratos típicos que os Portugueses deixaram sua
marca definitiva por aqui.

No dia
seguinte à chegada em Panjim, fomos às praias. Uma decepção. Talvez um pouco de
saudosismo tempere esta frase mas, até agora, não existem praias mais bonitas
que as praias do Ceará. Visitamos Anjuna e as pedras na praia, a maré alta, e
chuva nos fizeram perceber que o sonho de dias de paz e yoga à beira do mar não
seriam possíveis. Tentamos conhecer as demais praias mas a chuva não deixou e
nos recolhemos à pousada, tristes e sem esperanças. Logo ao amanhecer,
resolvemos que íamos tentar as praias do Sul de Goa, mais desertas e menos
turísticas. Quase desistimos ao checarmos a metereologia e darmos de cara com
uma promessa de chuva infinita. Pensamos em passar o resto dos dias em Hampi,
vermos as tão sonhadas estátuas do Kama Sutra, pensamos em visitarmos as
cidades sagradas do Norte e até pensamos seriamente em voltar para casa, mas
fomos para o Sul e nenhuma decisão nessa viagem foi mais sábia. Antes de
saírmos de Panjim, nos armamos de capas de chuva estilo Poncho. Agora podia
chover canivetes, estaríamos pelo menos parcialmente secos.

Duas horas
e meia de viagem um ônibus de linha interestadual (o que quer dizer nenhum
estrangeiro, assento desconfortável, passagem bem barata e um motorista sem
nenhm senso de leis de trânsito básicas tais como diminuir a velocidade antes
de uma curva fechada e com a pista molhada), chegamos em Palolem e nenhuma
palavra foi dita: era exatamente o que queríamos. Achamos uma pousada linda,
super baratinha, com água quente e uma varandinha maravilhosa. A praia era
exatamente o que esperávamos, com exceção da chuva e da água escura e perigosa
do mar árabe.
Munidos de nossas capas de chuva (sem elas,
esse feriado teria sido terrível), passamos dias de tranquilidade, sono calmo,
comidas gostosas, reflexão sobre a vida e muita Yoga. Provamos o tão famoso Veg Vindaloo (vinho e alho) e não gostamos
pois é apimentado demais. Provamos o feni, a bebida local e também não achamos
essas coisas todas. Ficamos pensando que quem disse no guia Lonely Planet que
Feni é quase impossível de beber de tão forte provasse cachaça, ele não
sobreviveria.Adoramos a comida de Goa. Foi a primeira vez em que vi todas as
especiarias daqui bem utilizadas, sem que o chili determine o gosto da comida.
O arroz com canela em pau vai virar lei lá em casa!
Mesmo na
baixa estação, muitos estrangeiros estavam em Palolem. Até mais do que no tão
badalado Norte. É sempre interessante observar viajantes. Quando pensamos
pessoas viajando pela Índia, imaginamos um estereótipo “hippie de dreadlock”
que está bem longe de ser maioria por aqui. Há muitas famílias, muitos casais,
pessoas de todas as idades, nacionalidades e com objetivos de viagem bem
distintos. Talvez na alta estação, o público mude já que a maioria dos
estrangeiros quando estávamos por lá eram
Alemães e Austríacos, já que esse é o período de férias em seus países
de origem.

Nos últimos
dois dias em que estivemos lá, o sol resolveu aparecer em alguns momentos do
dia e organizamos uma aula gratuita de Yoga na praia para quem quissesse
participar. Divulgamos nos restaurantes
e pousadas e a notícia correu por si só. Fizemos uma hora de yoga com mais 10
pessoas. O feedback foi maravilhoso e todos estão adicionados à nossa página do
Facebook, Jamie & Val Yoga Classes. Pretendemos repetir a experiência por
aqui e levar a idéia ao Brasil, já que a Yoga é tão cheia de mitos e mistérios
em terras tupiniquins. Recebemos até uma proposta de um resort para ministramos
aulas por lá durante a alta estação, mas nosso compromisso a escola nos impede.
Quem sabe para os próximos anos, não é?

Não vimos a
Goa de raves e loucuras. Não usei meu biquini sequer uma vez. Conhecemos Goa financeiramente
acessível, tranquila e de paz. E era exatamente o que procurávamos. Tá, faltou
banho de mar e marquinha de biquini, mas a Índia é imprevisível. Quando
voltarmos para o Ceará, tiraremos o atraso.
A viagem de
volta foi um pesadelo diante da única opção de um ônibus leito sem
ar-condicionado. Apelidamos
carinhosamente esse transporte de Non-AC Popcorn Sleeper bus, já que as
crateras na estrada que foram desagradáveis na viagem de ida, foram insuportáveis
na viagem de volta e a suspensão no ônibus praticamente não existia.
Literalmente pipocávamos dentro da cabine em cada buraco. Recuperamos parte do
sono em Magalore e a chegada em casa foi triste pois, com a ausência do Surya,
o Namaskara fugiu.
Agora somos apenas nós dois e um monte de
sonhos pela frente.